Há uma certa obrigação implícita quando decidimos assistir a qualquer obra dos irmãos Andy e Lana Wachowski, agora denominados The Wachowskis (Matrix, V de Vingança, A Viagem). Com roteiros (na maioria da vezes) sempre complexos, os irmãos exigem do público uma atenção maior, um olhar mais cuidadoso para entender toda a plenitude de suas criações. É sempre gratificante se deparar com produções que instigam seu público a rever o material, para que, assim, a simbologia seja eficiente. Logo, ninguém pode acusá-los de terem medo de arriscar. Porém, junto com a inovação, os Wachowskis carregam uma incômoda pretensão.
Cineastas ambiciosos, interessados em assuntos filosóficos e transcendentais, os Wachowskis costumam dirigir e escrever filmes que mais parecem um quebra-cabeça. Se de um lado seus longas sempre geram interesse, do outro fica sempre aquela dúvida se o que estamos vendo é realmente genial ou se faz sentido somente na cabeça de seus realizadores.
Investindo na primeira série de drama da carreira, Sense8 (série exclusiva da Netflix) mostra um grupo de pessoas ao redor do mundo que estão ligadas mentalmente e precisam achar uma maneira de sobreviver, sendo caçados por aqueles que os veem como uma ameaça. Ou mais ou menos isso. Durante toda a sua primeira temporada, a série não explica muita coisa, deixando diversas pontas soltas e inúmeras perguntas na cabeça do público. E, talvez, seja isso que a faz ser tão interessante, já que arrisca em uma narrativa que poderia dar muito errado, caso fosse exibida na televisão aberta americana.
É uma ideia belíssima, que funciona quando refletimos sobre, mas que não flui tão bem assim na tela.
A história começa com o suicídio de uma sensate, interpretada por Daryl Hannah, que consegue acessar a mente dos outros personagens. Sua morte cria um novo grupo de sensates ao redor do mundo: um policial de Chigago (Brian J. Smith), uma DJ islandesa que vive em Londres (Tuppende Middleton), um motorista de ônibus em Nairobi, no Quênia (Aml Ameen), uma empresária coreana (Doona Bae), um famoso ator de filmes e novelas mexicanas (Miguel Ángel Silvestre), uma farmacêutica de Mumbai (Tina Desai), um ladrão especialista em arrombar cofres ultra secretos em Berlim (Max Riemelt) e, por fim, uma blogueira ativista transsexual (Jamie Clayton) que vive em São Francisco. De repente, as mentes de todos esses personagens se conectam entre eles e todos podem falar idiomas diferentes, estar em vários lugares ao mesmo tempo, absorvendo as habilidades de cada um. Então, quando a DJ ouve uma música, todos os personagens podem ouvir, ou quando alguém prova uma comida, outra pessoa pode sentir o gosto. Também há um sensate do mal (Terrence Mann) e uma espécie de oráculo (Naveen Andrews, o Sayd de Lost), que consegue acessar a mente de todos.
Como se pode perceber, Sense8 tem complexidade até mesmo em sua sinopse. Mesmo depois de assistir aos 12 episódios que formam a primeira temporada, ainda é difícil decidir se a série andou para algum lugar ou se somente apresentou belas cenas que acabam gerando uma enxurrada de críticas positivas, mas que, no fundo, não dizem muita coisa.
Primeiramente, Sense8 tem, sim, diversos acertos, a começar pela sua narrativa. Para quem acompanha séries de TV, poder contemplar um roteiro que não segue padrões, coloca personagens em dois, três lugares ao mesmo tempo e ainda obriga o telespectador a pensar é, no mínimo, recompensador. A fotografia é cinematográfica e, em pelos menos três episódios, os Wachowskis apresentam cenas belíssimas e inesquecíveis (os personagens cantando What’s Going On?, a orgia mental e uma sequência mostrando o nascimento de cada um deles).
A série também acerta na representatividade. Todos os personagens são, afinal, oprimidos de alguma forma. A grande mensagem – muito pertinente, por sinal – é a empatia. Quando eles ajudam um ao outro, acessando suas mentes e se “transportando” para outro ambiente, é quase como se a série estivesse dizendo que não, não importa a situação, você não está sozinho. O que os Wachowskis desejam é retratar que, no fundo, todos somos iguais, com os mesmos dramas e os mesmos problemas pessoais. Estamos conectados uns aos outros. É uma ideia belíssima, que funciona quando refletimos sobre, mas que não flui tão bem assim na tela.
É interessante perceber que Sense8 tem uma ótima teoria, mas quando tenta colocar em prática dentro de sua narrativa, poucas vezes consegue chegar, de fato, a essa profundidade almejada. Assim, apresentando plots que sempre deixam o público ansioso pelo próximo episódio, a ideia de “série reflexiva” funciona mais como thriller do que como drama.
E, veja bem, as situações vividas por aqueles personagens são interessantíssimas, e acompanhar o desenvolvimento de cada um é o maior acerto da produção. Só que, passados 12 episódios, vemos que muitas daquelas histórias foram contadas de maneira rasa ou apenas usadas para preencher o tempo, quando os únicos enredos importantes para o desenvolvimento da série são o do policial e o da DJ islandesa. E mesmo que seja bonito perceber a aceitação, superação e crescimento dos outros personagens (como o ator tendo que assumir sua homossexualidade, a personagem transsexual enfrentando sua família e ela mesma, a coreana lidando com sua família machista), essas histórias terminam sem ter muita relevância.
E se os Wachowskis criam cenas inspiradas, também entregam diálogos e situações que beiram a vergonha, como todas as cenas de Lito, o ator mexicano. Embora seu personagem seja o mais desenvolvido, o roteiro tenta mostrar que as ações são oriundas da cultura do país, brincando, propositalmente, com o melodrama mexicano. Mas tudo soa exagerado, dramático ao extremo, forçado e cafona. Em uma falha tentativa de se fazer comédia, suas cenas fogem do tom, parecendo mais uma paródia de alguma coisa que não sabemos bem o que é, assim como a personagem indiana, que aparece sempre extremamente estereotipada.
Porém, Sense8 já carrega o prestígio que os Wachowskis esperavam, já que a série vem colecionando elogios quase que unânimes, ainda que isso pareça mais um reflexo de uma divulgação bem feita, especialmente em cima dos nomes fortes que assinam um roteiro não tão forte assim.
A intenção dos Wachowskis é nobre, embora tragam uma pretensão um tanto quanto soberba em seus discursos. De qualquer forma, Sense8 consegue mostrar que ainda existe união numa sociedade tão individualista, abordando a pluralidade e trazendo o recorte de um mundo globalizado. Ao menos na teoria.