Há um certo enigma a ser decifrado na nossa relação com as celebridades. Mantemos com estes “escolhidos” uma espécie de relação de amor e ódio, de proximidade e distância, mas sempre de fascinação. E é essa relação dual que talvez explique a quantidade de reality shows com celebridades em várias emissoras.
Não são poucas as pessoas que param todo domingo para acompanhar as temporadas de Dança dos Famosos, e é isso o que explica que os canais continuem tentando lançar novas atrações do estilo, como Popstar. Mas, afinal, qual é a graça de ver indivíduos famosos competindo – e qual a diferença destes programas dos reality shows com pessoas “normais”? Qual é o apelo em ver um show de talentos entre pessoas que (pelo menos a priori) são conhecidas justamente por ter algum tipo de talento?
Este formato (da competição entre pessoas muito conhecidas) parece ter encontrado uma configuração bastante interessante no quadro Show dos Famosos do Faustão. Obviamente, a premissa não é exatamente nova – o próprio SBT apresenta algo bem parecido com o Máquina da Fama, com Patrícia Abravanel. Na Globo, a proposta naturalmente encontrou um novo patamar, seja no nível da produção, seja no nível dos participantes com sensação de “primeiro escalão”. O resultado foi mais um perfeito guilty pleasure e mais um quadro de sucesso dentro do Domingão do Faustão – que, inclusive, parece estar cada vez mais voltado a essas atrações para se manter como um programa viável na emissora.
Para entendermos o apelo do Show dos Famosos, é preciso entender um pouco como se dá a relação com as celebridades neste contexto que hoje alguns autores chamam de convergência – um cenário que, como a própria palavra sugere, se sustenta por uma lógica meio circular. Ou seja, no mundo regido pela convergência, todos estamos tão longe e tão perto uns dos outros: é possível mandar um tweet direto para a sua celebridade favorita e, assim, alimentar uma sensação de proximidade com ela. No entanto, não deixa de ser uma ilusão, e a relação de amor incondicional dos fãs pelas celebridades se converte em ódio numa rapidez incrível.
[box type=”note” align=”alignright” class=”” width=”350px”]
Leia também
» ‘RuPaul’s Drag Race’ e a fórmula perfeita dos reality shows
» Por que reality shows infantis são tão chatos?
[/box]
Em outras palavras, no mundo regido pelas mídias, as pessoas famosas parecem tão próximas que é inevitável que sejamos seduzidos para vê-las sendo elas mesmas, despidas das roupas glamourosas de celebridades, mesmo que isso seja também performance – esta é, afinal, a premissa número 1 de todo reality show. Mas estes formatos de competições entre famosos são interessantes justamente por isso: proporcionam os fãs verem seus ídolos tanto como humanos (descansando nas coxias, no momento de preparação, no descontrole da emoção de receber uma boa avaliação), tanto como aqueles seres idealizados, sobre-humanos, o habitante do Olimpo em quem me espelho sem nunca alcançá-los.
Sem querer, Show dos Famosos é perfeitamente adequado para causar tais efeitos. Na competição, oito celebridades de diversas áreas (o elenco contava com cantores conhecidos, como Fafá de Belém, comediantes, como Nelson Freitas, e atores iniciantes como Enzo Romani) incorporam outras celebridades – a princípio, maiores e mais marcantes na cultura que eles mesmos. Ou seja, há uma impressão de proximidade ao ver que nossos ídolos são gente como a gente e que também idealizam outras pessoas.
Após suas performances – elaboradas a partir de uma grande produção, que se evidenciava por meio de vídeos de bastidores – os competidores eram avaliados por um júri “técnico”, formado por Claudia Raia, Miguel Falabella e Silvio de Abreu. Os primeiros eram lembrados a todo instante por sua participação em musicais, emprestando à atração da Globo uma sensação de “Broadway brasileira”. Claudia, inclusive, vinha a todos os júris vestida esplendorosamente, tal como estivesse, ela mesma, se apresentando a um grande público.
No mundo regido pelas mídias, as pessoas famosas parecem tão próximas que é inevitável que sejamos seduzidos para vê-las sendo elas mesmas, despidas das roupas glamourosas de celebridades.
Mas a grande diversão de ver o Show dos Famosos, obviamente, está no show. A cada semana, as quatro celebridades, mais do que imitar, buscavam personificar outras celebridades nacionais e internacionais. Sendo este um espetáculo de alta performance – em que os candidatos são escrutinados em vários quesitos, à la RuPaul’s Drag Race – havia muitos elementos a serem consumidos. A atração carrega meio que um mito de um artista completo, o mais versátil, que consegue se sair bem em todas as áreas. Somos convidados a verificar diversos aspectos, como qualidade da voz, semelhança física, habilidades de dança, alcance das transformações (homens que personificam mulheres, brancos que viram negros, etc.).
Sendo assim, fomos brindados com grandes performances e shows pífios, ambos fazendo parte do mesmo pacote de diversão. Certamente o talento mais impressionante foi de Ícaro Silva, que se sagrou vencedor, personificando de forma quase inacreditável artistas como Beyoncé e Bob Marley. Da mesma forma, no exemplo oposto, algumas apresentações foram visivelmente constrangedoras, como a performance de Eriberto Leão, que é muito viril, na pele da delicada Adriana Calcanhotto – gerando, é claro, uma série de memes que estenderam a diversão do programa para dentro das redes.
Como todo bom reality show, a cota de imprevisibilidade também estava lá, como no episódio ocorrido numa espécie de conflito entre Miguel Falabella e a comediante Samantha Schmutz. Ao dizer que havia poucos cantores de fato na competição, Samantha reivindicou fazer parte da categoria, gerando um climão entre os dois que é a verdadeira cereja do bolo do formato reality. Completou-se, portanto, todos os elementos esperados a este tipo de atração.
Divertido, Show de Famosos conseguiu seguir a mesma fórmula de sucesso de quadros semelhantes, e pareceu trazer uma espécie de oxigênio a um programa já tão antigo e engessado como o Domingão do Faustão. Para nosso deleite, que venha logo a segunda temporada.