Silvio Santos é dono de um carisma impressionante, de uma capacidade de comunicação extraordinária e do amor de milhões de telespectadores. É dono de seu programa, do seu canal de TV (SBT), de sua plateia e de sua audiência. Também é dono do respeito do público e da classe artística. Mas Silvio Santos não é dono da verdade.
Nos últimos meses, o apresentador se envolveu em muitas polêmicas, protagonizando atitudes machistas e desrespeitosas às mulheres. Por diversas vezes, o comunicador já entoou falas retrógradas e preconceituosas disfarçadas de piada. Mas talvez seja hora de pararmos de aceitar esse tipo de postura na televisão e pensarmos no tipo de comunicação que precisamos.
Depois do episódio envolvendo os jovens Maísa Silva e Dudu Camargo, recentemente Silvio Santos apontou suas baterias para a apresentadora global Fernanda Lima. No dia 2 de julho, afirmou considerá-la “magrela, muito magra”. E continuou: “Com ela não tem nem amor, nem sexo. Com essas pernas aí? Nada disso. Quem gosta de osso é cachorro”, fazendo analogia ao seu programa.
Silvio Santos é um comunicador relevante há décadas, a maioria do seu público são mulheres (sua plateia é majoritariamente feminina) e o que ele diz é escutado por milhares de pessoas. E isso torna seu embate com a apresentadora global ainda mais errado. Afinal, ninguém tem razão quando se ajuda a reproduzir um discurso opressor.
E não há a desculpa que ele faz inconsciente: em seu programa do dia 13 de agosto, Silvio disse: “Às vezes minhas palavras são ofensivas, mas não faz mal”. Ele já fez isso tantas vezes que normatizou uma conduta. E até pode ser que ele nunca teve a intenção de contribuir para qualquer tipo de violência. Porém, é o que faz quando expressa, por exemplo, que “mulher não tem o direito de ser feia”, entre outros discursos misóginos e absurdos.
Silvio pertence ainda ao mundo que oprime, que humilha mulheres e as transforma em coisas, que objetifica o corpo feminino, e que acha tudo isso engraçado.
O apresentador age e interage com o público como sempre agiu, faz o que sempre fez. Silvio pertence ainda ao mundo que oprime, que humilha mulheres e as transforma em coisas, que objetifica o corpo feminino, e que acha tudo isso engraçado. Não reconhece sua fala como machista e também não vê qualquer maldade ao reproduzi-la.
Já Fernanda Lima, quando comparada a Silvio, pertence a outro mundo: o que liberta. Ao contrário dos modos arcaicos do apresentador e dono do SBT, a loira tem se posicionado politicamente cada vez mais e dado abertura para discussões relevantes para a sociedade em seu programa Amor & Sexo.
Ela respondeu às ofensas educadamente em uma entrevista ao Pânico na Band: “Acho que o Silvio é o maior comunicador vivo brasileiro, mas, nesse quesito, eu perguntaria: Silvio, por que não te calas?”. Confortável e acostumado a proferir ofensas, ficou claro que o dono do SBT não gostou de ser retrucado: ele se sentiu no direito de alfinetar a apresentadora, dizendo que não vai calar-se. “Se ela não souber fazer amor e sexo, posso ensinar”, disse ainda.
Na última sexta-feira (25) a Fernanda Lima decidiu se manifestar publicamente sobre o assunto em suas redes sociais e afirmou: “O corpo da mulher não é território público onde se pode meter a mão, avaliar, invadir, usar, agredir. Sigamos firmes e juntas construindo um grande abrigo de proteção para todas as mulheres contra qualquer violência machista”. Ela está certíssima. As mulheres estão descobrindo sua força e se unindo para lutar por mudanças. Sendo assim, não se pode ficar calada diante de tanta barbaridade.
Silvio e Fernanda convivem no mesmo planeta, no mesmo tempo e espaço, entretanto são muito diferentes. É natural que se encontrem, se contraponham e debatam opiniões. Silvio apelou e ofendeu a apresentadora, que não abaixou a cabeça e disse a que veio, respondendo com respeito. Ou seja, fizeram o que se podia esperar como representantes dos dois universos antagônicos em que vivem.
Para muitos, ainda pode ser difícil enxergar ofensa em mensagens machistas. Cantadas, antes consideradas inocentes, taxadas como ofensivas; reação forte a comentários sobre o corpo feminino; questionamentos sobre o lugar da mulher na publicidade e na novela, a ponto de mudar roteiros e enredos: Isso pode soar estranho ou exagerado, mas pense bem e verá que não é.
É preciso cada vez mais que se desestabilizem e se questionem esses tipos de posturas que ainda seguem naturalizados na televisão brasileira. É inadmissível que esses comportamentos sejam defendidos e tratados como brincadeiras ou piadas. Ainda mais para um comunicador, formador de opinião. O exercício de se rever e se desconstruir deveria ser natural. Não pode haver desculpas para atitudes sexistas.