Sejamos justos, a Rede Globo está saindo da sua zona de conforto, ainda que essa zona seja bem parecida com tudo o que já vimos na televisão americana. Sejamos mais justos ainda, os norte-americanos fazem séries boas, mas também erram feio. Sendo assim, Supermax é uma grande surpresa na grade da Globo. Seus erros são gritantes e incomodam, mas seus acertos geram um produto interessante ao ponto de o público não conseguir parar de assistir aos episódios, uma perfeita binge-watching.
Supermax não é somente a primeira grande série assumidamente de terror da Rede Globo, como é a aposta da emissora para tentar se igualar à linguagem atual da televisão e da Netflix, liberando quase todos os episódios de uma vez na Globo Play, plataforma streaming do canal. Digo quase porque o último episódio só será visto na televisão aberta, em dezembro. A mesma coisa foi feita com Justiça. A Globo cede, mas só um pouco.

O acerto começa pela sinopse bastante instigante. Doze participantes (sete homens e cinco mulheres) são confinados dentro de um reality show em uma prisão de segurança máxima abandonada na Amazônia. Seguindo o mesmo mote de E Não Sobrou Nenhum/O Caso dos Dez Negrinhos, obra de Agatha Christie, todos têm em comum o fato de que, no passado, cometeram algum tipo de crime e, por esta razão, foram selecionados pra participar do programa e concorrer ao prêmio de R$ 2 milhões. Logo após a primeira prova de resistência, eles descobrem que a equipe de produção do programa desapareceu. Coisas estranhas começam a acontecer enquanto todos tentam sair da prisão. Criada por José Alvarenga Jr., Marçal Aquino e Fernando Bonassi, a série já tem uma versão hispânica produzida e chamou a atenção dos norte-americanos, que demonstraram desejo em produzi-la caso os criadores entregassem o roteiro para mais duas temporadas, o que já foi feito.
Vamos aos acertos. Reality show desperta o interesse dos brasileiros. Mesmo com uma expressiva queda de audiência no Big Brother Brasil, a última edição deu frescor para a atração. Bem ou mal, todo mundo fala sobre o assunto. Logo, colocar um reality sobre participantes criminosos tendo que sobreviver em uma prisão de segurança máxima é o suficiente para aguçar a curiosidade. Mas nada disso seria suficiente se a própria história não se sustentasse. Sim, ela apresenta problemas graves em sua narrativa, mas consegue criar uma tensão maior do que American Horror Story, por exemplo. Há algumas cenas bastante perturbadoras, ainda que elas estejam lá apenas para chocar. Quando essas cenas acertam o tom, o público se vê bastante intrigado. Para uma televisão que não está acostumada a mostrar essa linguagem ao público, é um imenso acerto.

Os efeitos especiais não são perfeitos, mas não deixam a desejar a nenhuma outra série e muito menos dão vergonha. A direção de arte é eficiente e o presídio convence. Conforme o clima vai ficando mais tenso, a prisão vai ficando mais perigosa e genuinamente assustadora. É nesse meio que a série acerta bastante, já que o público pode até não levar sustos, mas achará tudo aquilo bastante bizarro.
Prender a atenção de quem assiste é sinal de qualidade.
Há uma vontade do roteiro em levantar alguns assuntos bastante polêmicos, mostrados de maneira clara, sem apelar para simbolismos. Há um padre que presencia um outro sacerdote abusando sexualmente de um adolescente. Ele se recusa a denunciar por medo e o garoto acaba se suicidando. Tudo isso é exibido afinal, o objetivo é provocar medo não apenas pelos eventos sobrenaturais, mas pelo pior do ser humano. Há uma cena terrível de um estupro, que tem uma resolução toda errada. Não dá para saber se o roteiro quis incomodar a audiência ou se realmente acharam a conclusão satisfatória, mas causa mal-estar. Há uma participante transgênero, que tem um passado bastante triste e diálogos fortes. Ela é vivida por Maria Clara Spinelli, também atriz transgênero, que em determinado momento ganha destaque em um diálogo empoderador. Ponto para a Rede Globo!
Os problemas começam quando a fragilidade de todos o roteiristas envolvidos sobrepõe as qualidades já ditas. Falta fluidez nos diálogos e uma falta de noção. Se acertam em um “Diabo” com sotaque nordestino, erram em diálogos como: “Esse lugar tem cheiro de morte. Você sente?”; “Será que a regra agora é não ter regras? Sem regras, estamos um passo da barbárie”. Tudo isso é dito de forma pausada, clichê, com uma direção de atores claramente fora do tom.
As atuações, infelizmente, também incomodam muito. Mariana Ximenes até vai melhorando lá pelo final, mas suas caras e bocas herdadas do vício de outras trabalhos na televisão ficam em evidência; Cléo Pires aparece sempre muito canastrona e Ravel Andrade até se esforça, mas chega a dar bastante vergonha. Já os outros atores – Fabiana Gugli, Erom Cordeiro, Maria Clara Spinelli e Bruno Belarmino – dão conta do recado direitinho e conseguem deixar a série mais, digamos, realista. Entretanto, a demora de todos os personagens para compreender que algo está errado irrita, já que essa teimosia sem sentido dura muitos episódios.

Há alguns vícios da linguagem das novelas – algo que pode ter sido imposto muito mais pela Globo do que pelo roteiro original. De qualquer forma, tudo é explicado nos mínimos detalhes, como se o público não fosse capaz de entender. A presença de Pedro Bial no primeiro episódio, algo certamente inserido para que o público se identificasse com um reality de verdade, é um desastre. Bial não é ator, os diálogos são de doer e a interação com os participantes não dão certo.
Há uma clara incoerência dos personagens, que ora parecem pessoas misteriosas e malvadas, ora não representam perigo. Pessoas somem por horas e ninguém se questiona. Outro ponto negativo é que ao buscar referências em outras séries, como True Detective e The Walking Dead, tudo soa muito previsível. É quase como se os roteiristas tivessem pegado as mesmas cenas e trabalhado formas de alterá-las apenas para não serem acusados de plágio, mas o público consegue identificar cada uma delas. Até a abertura, com a música “Darkness”, de Leonard Cohen, lembra muito True Blood e American Horror Story.
Mesmo assim, a série funciona. Supermax enrola em diversos episódios antes de começar a mostrar suas soluções, mas quando a faz isso, fisga a audiência. Prender a atenção de quem assiste é sinal de qualidade. Se essa é a primeira produção de uma grande estratégia da Globo para mudar um pouco o padrão de suas narrativas, eles estão no caminho certo, mesmo que esse caminho ainda esteja bem torto.