Um passeio pela televisão aberta nas tardes de domingo é uma espécie de competição entre atrações com propostas mais ou menos semelhantes. Quase todas as emissoras apostam em programas de auditório que busquem provocar algum tipo de comoção em um espectador incauto. É quase como se as emissoras imaginassem que, num dia em que o público está em família, o que mais ele deseja é relaxar se comovendo com alguma história triste, ou então espiando a vida de alguma pseudocelebridade.
Há uma tônica que unifica todos esses programas: a ideia que a TV, aos domingos, fala às “massas” – termo propositadamente indicado em aspas, uma vez que a ideia da massa se tornou, ao longo do tempo, extremamente negativa. Ou seja, entende-se a massa como uma alta quantidade de pessoas com baixa instrução, com pouca capacidade de reflexão e mesmo de reação àquilo que os meios de comunicação divulgam. Em suma, introjetamos um entendimento de que a massa é como uma espécie de esponja que absorve, acriticamente, qualquer coisa que é dita a ela – e isso, é claro, reflete na qualidade da televisão que é feita a essas pessoas.
Ao voltarmos então à programação de domingo, fica nítido que há uma tendência a pautar-se por uma série de atrações que apelem menos à racionalidade e muito mais a uma emotividade tirada a fórceps. Vejamos: na Record, Geraldo Luís e Rodrigo Faro encabeçam programas marcados pela exploração da miséria alheia e nos pequenos dramas burgueses do tipo “traí minha mulher e peço perdão”, e por quadros com celebridades segundo escalão como os diversos elencos de A Fazenda; Eliana, no SBT, tem investido a cada fim de semana em quadros que também valorizam o sofrimento de pessoas simples e oferece (a altos custos, é claro) a realização de seus sonhos, como a concretização de casamentos no palco e transformações estéticas; na Band, Datena investe em filão parecido no Agora é com Datena, sem grandes novidades.
E aí passamos à Globo que, mais ou menos neste mesmo horário, está veiculando um programa meio desencaixado chamado Tamanho Família. Explico o desencaixado: a atração de Marcio Garcia, que busca fazer uma competição entre famílias de celebridades vinculadas à Globo, não exatamente diverte nem exatamente comove. Fica numa espécie de meio do caminho: quer apelar ao público que se credita à TV de domingo (as “massas”, conforme já dito), mas não consegue fazer isso pois não pode abrir mão do chamado “padrão Globo de qualidade”.
Tamanho Família se expressa como uma estratégia para lidar como esta televisão “popularesca” de domingo – mas, mais uma vez, revela a total ineficiência da Globo para criar vínculos com uma camada muito expressiva da população.
E o que isso significa, na prática, no Tamanho Família? O programa pressupõe uma visita à intimidade de alguém que tenha um séquito razoável de fãs a partir de provas que não divertem. As competições (coisas como uma disputa com as charadas mais antigas do mundo e brincadeirinhas que não conseguem arrancar um mero riso) só têm um sentido: fazer com que o espectador se sinta contemplado pelo privilégio de adentrar no universo (artificial, é claro) de gente que admira, como Marcelo Adnet, Tiago Abravanel e Mumuzinho.
Neste sentido, a declaração de Marcio Garcia na época do lançamento do programa – a de que Tamanho Família revela que os artistas são “gente como a gente” – é totalmente equivocada. Excessivamente atrelado ao espectro “estelar” que a Globo associa a si mesma, o programa não consegue, de fato, fazer com os espectadores se sintam conectados à vida daqueles que são trazidos ao palco – que continuam, da mesma forma que o apresentador Márcio Garcia (cuja performance parece pouquíssimo natural), elevados a um pedestal de “estrelas da Globo”.
Em suma, nada parece funcionar neste programa. Tudo está descompassado: como apresentador, Márcio Garcia é canastrão, e falta a ele a espontaneidade de um Faustão ou Ratinho; os parentes dos famosos parecem constrangidos de terem que montar um mini-musical no palco; o grupo musical família Lima, que tem aqui o papel de ajudante do palco, tem tanto carisma quanto um prato de chuchu; as competições sem sentido parecem demandar de superproduções, com dançarinos contratados e cenários arrojados (causando uma sensação de “muito gasto para muito pouco resultado”).
De toda forma, volto à questão inicial apresentada aqui. Ao que me parece, Tamanho Família se expressa como uma estratégia para lidar como esta televisão “popularesca” de domingo – mas, mais uma vez, revela a total ineficiência da Globo para criar vínculos com uma camada muito expressiva da população, que está pouco propensa em cultuar ídolos com os quais não se identifica, e mais interessada a se ver representada na tela. Mesmo que, para isso, acabe assistindo a programas de baixa qualidade – e é aí que reside o problema.