The Handmaid’s Tale, série original da plataforma Hulu, não é uma série prazerosa ou fácil de assistir. Ela também não é feita para maratonar, tanto é que o Hulu libera um episódio por semana, inteligentemente. Os episódios são pesados, tristes e dolorosos, o que a transforma em uma das experiência mais incríveis para o público. Baseado no livro O Conto da Aia, de Margaret Atwood, a segunda temporada mostra as consequências causadas por Offred/June (Elizabeth Moss) após ela se rebelar contra Tia Lydia (Ann Dowd) e influenciar as outras Aias a não apedrejar até a morte Offwarren/Janine (Madeline Brewer).
A temporada começa exatamente no ponto em que a primeira terminou, com o público sabendo o destino de June após entrar no camburão. A série também expande o universo do livro e mostra os refugiados da República de Gilead, o “novo” Estados Unidos. Essas pessoas conseguem fugir para o Canadá, um país que dá passe livre para quem tenta fugir da repressão. Além disso, o segundo ano mostra em detalhes as temidas Colônias, local onde Aias e Esposas que cometem algum “crime” são levadas para serem escravas e morrerem.
Infelizmente, o que vemos parece mais uma previsão do que apenas um conto.
A série utiliza de pautas atuais, como o movimento #MeToo e o governo de Donald Trump, para criar roteiros que conversem com o que vemos na mídia, mas essa é apenas uma forma de olhar para a história. Com tanto retrocesso presenciado no mundo inteiro, a série serve como um alerta. Se na primeira temporada ela já carregava um texto pesado, este ano o roteiro não facilita em nada para o telespectador.
Terror é um gênero bastante difícil de se fazer na televisão e quase nenhuma série consegue, mas The Handmaid’s Tale faz isso de maneira eficiente. O horror visto na tela é de embrulhar o estômago e a câmera não tenta se esquivar. Diferentemente de outras séries feitas apenas para chocar, as cenas ali têm contexto e são duras de assistir.
Ao mesmo tempo, o segundo ano consegue trazer pequenas cenas iluminadas e simbólicas. Contrastando os tons de vemelho-sangue opressivo com a escuridão das casas, a fotografia dá alguns filetes de luz quando June se agarra a um fiapo de esperança de que pode sair daquele mundo. As personagens femininas se unem para apoiar umas às outras, mas isso é mostrado em pequenos atos, como uma promessa feita com o olhar, frases soltas e gestos delicados.
Há, também, um sentimento ambíguo em Serena (Yvonne Strahovski), a idealizadora desse novo governo opressivo. Serena começa a questionar seu próprio entorno e ensaiar uma certa empatia pela sua própria Aia, embora tudo isso vá por água abaixo assim que ela começa a perceber sua bondade.
A temporada nos dá diversas cenas fortíssimas, algumas quase impossíveis de assistir, mas há um momento que chama bastante atenção. Quando Serena e o Comandante Waterford (Joseph Fiennes) visitam o Canadá, os personagens contrastam a liberdade do país com a ditadura da República de Gilead. É bastante curioso fazer um paralelo com o nosso país, que testemunha avanços em outros países da América Latina, enquanto o nosso parece retroceder a passos largos. Assim também acontece com o público-alvo da série, os norte-americanos, que testemunham seus próprios horrores, como crianças sendo separadas de seus pais e enjauladas.
A direção geral, som, fotografia e direção de arte continuam impressionantes, mas são nos olhos de Elizabeth Moss que a câmera passa mais tempo, e sem dúvida a série perderia um pouco da força se não fosse a expressão da atriz. É estonteante perceber o trabalho de Moss em cada pequeno detalhe. Ela consegue mostrar esperança, dor, ódio, alívio, desespero sem precisar abrir a boca. A temporada exige ainda mais força da atriz, já que os episódios focam na jornada de June pra fugir das mãos de seus “patrões” e salvar seu filho. E são nos episódios 10 e 11 que Elizabeth Moss deve ter seu Emmy garantido em 2018.
Entretanto, ao aumentar a temporada em mais três episódios (ano passado foram 10), a série enrola um pouco, apenas para render. Ultrapassando o livro, os roteiristas agora precisam de mais criatividade. Algumas situações e diálogos se repetem e, mesmo que isso sirva para nos mostrar a rotina e agonia de June, a história demora a evoluir e parece andar em círculos. Nada disso compromete a qualidade acima da média, mas conseguimos enxergar uma pequenina queda no ritmo.
Com mensagens necessariamente pessimistas, The Handmaid’s Tale pede para abrirmos os olhos, porque, infelizmente, o que vemos parece mais uma previsão do que apenas um conto. Afinal, de candidatos defendendo que mulheres feias não merecem ser estupradas a presidenciáveis afirmando que órgão excretor não reproduz, vamos vendo partículas do que a série mostra bem na nossa cara. Nada é tão distópico assim.