Estreado na última semana, Tomara que Caia, o novo programa humorístico da Globo, foi vastamente anunciado pela emissora durante as semanas anteriores. Nas chamadas, incensava-se o fato de o programa ter um formato inovador, misto de game, programa humorístico e interatividade. Com uma espécie de slogan pouco inspirado – “aqui quem faz a piada é você” – o programa de estreia rendeu poucas risadas, muitas manifestações irônicas nas redes sociais e várias análises interessantes.
Falou-se sobre a coragem de testar um formato novo, algo cada vez menos comum na TV brasileira, como lembrou Mauricio Stycer (leia aqui). Já Daniel Castro apontou que o programa traz à público certas arestas entre núcleos internos da Globo: Tomara que Caia é uma produção do núcleo do Boninho, enquanto o resto do humor da emissora se concentra na coordenação de Guel Arraes (leia aqui). Creio que um aspecto a ser pensado também é que o programa se coloca como experiência da Globo para lidar com um público que não assiste à televisão na televisão, mas sim no que se chama hoje do fenômeno da segunda tela. Ou seja, uma geração de espectadores que vê TV enquanto acessa outros dispositivos, nos quais se conecta e cria uma espécie de rede comunitária de “comentadores” do programa. É quase como se, na internet, um outro programa se formasse – às vezes mais divertido que o próprio programa original. É o que acontece, por exemplo, a cada edição do MasterChef.
Ainda que as “regras” de Tomara que Caia sejam absurdamente complexas (cabia aos atores explicá-las ao público e mesmo eles não tinham clareza), pouco dinâmicas para um programa televisivo, a mensagem passada pelo novo formato é clara: é preciso hoje pensar numa TV que acompanhe os movimentos externos a ela. Isto se evidencia a todo instante no programa: os termos usados vêm da internet, como trolagem e hashtags. O espectador precisa de um domínio mínimo deste léxico para poder participar de Tomara que Caia. Mas o centro da dinâmica do programa, e o que justificaria o slogan citado acima, é a promessa de uma maior interatividade com o público, este obscuro objeto de desejo e, que supostamente, colocaria um produto televisivo a páreo da concorrência da internet.
Ainda que as ‘regras’ de Tomara que Caia sejam absurdamente complexas (cabia aos atores explicá-las ao público e mesmo eles não tinham clareza), a mensagem passada pelo novo formato é clara: é preciso hoje pensar numa TV que acompanhe os movimentos externos a ela.
É interessante observar que esta expectativa de interatividade, de reciprocidade, é uma espécie de fetiche hoje que sustenta boa parte dos produtos de mídia que temos consumido. Em parte, é esta lógica da interatividade que justificaria a quantidade de vídeos enviados pelo público aos telejornais que hoje inflam os noticiários com informações irrelevantes. Ou seja, ser interativo se tornou uma espécie de ferramenta do marketing (tem até faculdade “interativa” hoje em dia!) que busca seduzir um espectador fugidio ou distraído, pela impressão de uma participação efetiva naquilo a que assiste.
Pois bem: em Tomara que Caia, a interatividade é pífia. A “ação” do público é votar em hashtags pré-estabelecidas e direcionar o improviso dos atores, e decidir qual grupo fica e qual sai, de acordo com sua performance. Quinze anos após o fim de Você Decide, Tomara que Caia não parece ir muito além do que o clássico programa já fazia, resumindo a interatividade a poucas opções para o espectador. Ironicamente, na estreia, o público assumiu o “controle” da interação e fez com que a hashtag #TomaraQueAcabe ficasse melhor pontuada no Twitter do que #TomaraQueCaia, a sugerida pela Globo.
A estratégia do improviso, que funciona bem, fez lembrar de programas que já o utilizaram com melhores resultados, como o clássico Whose Line Is it Anyway?. Com atores nervosos e alguns mal selecionados (como Ricardo Tozzi e Priscila Fantin, que não parecem comediantes), o programa, ao menos em sua estreia, teve poucos momentos de verdadeiro humor. O principal deles, como apontaram as reações nas redes sociais, se deu pela única efetiva “interatividade” com uma pessoa na plateia, que determinou que todos os atores deveriam apenas falar inglês. Curiosamente, parte da graça de Tomara que Caia envolveu muito mais de tentar detectar a tensão dos atores e a rivalidade entre os grupos cada vez que um era “reprovado” do que na historinha (fraca) que estava sendo encenada.
É de se esperar para ver os próximos episódios, mas Tomara que Caia aponta, por fim, o grande desafio de pensar em formatos para a televisão que consigam se colocar tão ou mais atraentes que as “segundas telas” com que agora, inevitavelmente, dividem espaço.
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