“É uma piada, certo?”. A presunção acerca de Jogo da Corrupção, série original da Prime Video, segunda temporada da antologia El Presidente, não chega a ser um absurdo de todo. O surreal e o fantástico permeiam a série do vencedor do Oscar de roteiro original por Birdman, Armando Bó.
Criada para contar diferentes elementos sobre o Fifagate, investigação que veio a público em 2015, revelando o lamaçal de corrupção entranhado nas federações de futebol, incluindo a Fifa, a série encanta pelo tom debochado que escorre do roteiro.
Ainda que a primeira temporada seja mais obscura e, especialmente no Brasil, tenha ficado perdida no catálogo do streaming da Amazon, parte importante dos elementos retorna neste novo “capítulo”, a começar por seu protagonista. Porém, duas mudanças são fundamentais aqui: ele assume o papel de narrador e decide, ponto crucial, pela quebra da quarta parede.
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O protagonista desta segunda temporada é o brasileiro João Havelange, que de atleta mediano de polo escalou pela antiga CBD até o posto de presidente da Fifa.
O ator colombiano Andrés Parra vive Sergio Jadue, ex-presidente da federação de futebol do Chile e antigo vice-presidente da Conmebol, a confederação sul-americana do esporte. A temporada inaugural mostra como Jadue ganhou e perdeu poder, posteriormente sendo o responsável pela delação premiada que escancarou o submundo do futebol.
Em Jogo da Corrupção, Parra retorna como narrador da série, dialogando com o espectador e, volta e meia, interferindo na narrativa, pontuando as escolhas de roteiro e deixando clara suas motivações (como o risco de processos, ou a imprecisão de certas informações).
O protagonista desta segunda temporada é o brasileiro João Havelange, que de atleta mediano de polo escalou pela antiga CBD até o posto de presidente da Fifa. Como se sabe hoje, Havelange esteve envolvido em inúmeros escândalos ao longo dos anos, e Jogo da Corrupção faz questão de mostrar o lado ambicioso do homem que tornou o futebol o maior esporte do mundo.
Para o papel foi escalado o ator português Albano Jerónimo, que é exímio em compor esse personagem tão idiossincrático do futebol brasileiro: determinado, ambicioso, machista, corrupto, talentoso e avesso às ideologias.
![‘Jogo da Corrupção’ narra ascensão e queda de João Havelange](https://escotilha.com.br/wp-content/uploads/2023/05/serie-jogo-da-corrupcao-amazon-prime-video.jpg)
Não à toa, João Havelange constrói sua imagem e ascende no esporte bretão durante a ditadura, mantendo forte relação com os militares, incluindo os da Argentina. A intenção dos ditadores de nossos vizinhos de melhorar a imagem do país, afundado em inúmeros crimes contra os direitos humanos, realizando a Copa do Mundo de 1978 é narrada sem papas na língua.
Há na trama a história paralela de Anna Maria, a esposa de Havelange, interpretada brilhantemente por Maria Fernanda Cândido. Em determinado momento, ela passa a ser identificada como Isabel, e as histórias de personagem e retratado se separam por completo.
Isabel é uma espécie de antítese da esposa de Havelange, ainda que alguns elementos possam fazer, verdadeiramente, parte da narrativa. Escanteada pelo marido, ela se envolve com o bicheiro Castor de Andrade (Eduardo Moscovis), que na vida real teve íntima relação com o dirigente máximo do futebol, e entra na luta por direitos para as mulheres (em especial, ao divórcio).
Além da proximidade óbvia com um personagem ambíguo para o Brasil, Jogo da Corrupção é atraente pela forma totalmente latina de contar histórias. O realismo fantástico dá as cartas em todo o roteiro, conduzido com astúcia nesta temporada pelos argentinos Mariana Levy e Nicolás Diodovich. É latinidade pura, sem nenhum compromisso com o rigor das séries documentais, mas com a excelência com que se vê a arte no sul global.
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