Existe todo um gênero de reality show que se baseia na exibição de bizarrices de pessoas comuns. Não por acaso, esses programas se tornam verdadeiras franquias, podendo gerar versões em diferentes países. É nessa linha que se insere Muquiranas Brasil, disponível no Max, que é a versão nacional da franquia norte-americana Extreme Cheapskates, cuja proposta é bem curiosa: mostrar as artimanhas que as pessoas usam para economizar a qualquer custo.
Alguém falaria de “enlatado” para apontar a falta de originalidade das adaptações de programas estrangeiros, ao invés de criar um novo. Já eu vejo de outra forma: as versões brasileiras costumam realçar o que temos de peculiar por aqui, revelando coisas sobre nós mesmos que não enxergamos normalmente. E, para isso, nada melhor que um show que explora uma questão (infelizmente) muito nacional: a capacidade de se virar com muito pouco.
São oito episódios na primeira temporada de Muquiranas Brasil que, embora irregulares, desnudam personagens interessantes e constrangedores que economizam em tudo que conseguem. Mas, diferente do que se pode imaginar, eles não fazem isso (ao menos não apenas) por conta de dificuldades financeiras. O que vemos são pessoas que usam toalha ao invés de papel higiênico, reciclam água do banho, devoram as comidas deixadas para trás por outras pessoas nas praças de alimentação – tudo isso em nome de economizar alguns troquinhos.
Uma “muquiranice” tipicamente brasileira
É de se destacar que a produção tenha investido em gente que ilustraria o mais óbvio: artimanhas usadas por pessoas que, por passarem necessidade, acabam fazendo coisas consideradas indignas aos olhos de muitos. Não é esse o assunto aqui, e ainda bem. O foco está em mostrar personagens bem delineados e que chamam a atenção por serem, digamos, peculiares.
Quem encara o desafio de seguir adiante vai aos poucos entendendo: esse não é um programa sobre não gastar.
É claro que há muito que pode ser dito sobre Muquiranas Brasil em termos de produção e edição: tudo parece muito encenado, over, claramente arranjado para acontecer na frente das câmeras. Mas, caso se releve esse detalhe, Muquiranas Brasil pode se uma experiência divertida, daquelas que nos regozija por ter uma espécie de fundinho de interesse antropológico.
E as impressões, depois acompanhar as pessoas que se expuseram no reality show da Max, são complexas. Por um lado, há a indignação ao ver esses sujeitos manifestarem sua felicidade por deixar de gastar com produtos que, para a maioria dos humanos, são de necessidade básica – como uma mulher que afirma economizar R$ 4.500, num cálculo bem exagerado, por não usar shampoo, sabonete e desodorante. Ou do gaúcho que, parafraseando a música de Vinicius de Moraes, mora numa casa muito engraçada, que não tinha teto e não tinha nada.
Quem encara o desafio de seguir adiante vai aos poucos entendendo: esse não é um programa sobre não gastar, ou sobre fazer escolhas mais econômicas dentro de um contexto social que incentiva o consumo a qualquer custo (não por acaso, somos um país de endividados). Eu diria que, de maneira sutil, Muquiranas Brasil fala de solidão, sobre ao que as pessoas se dedicam para preencher certos buracos de suas vidas.
Há, por exemplo, Alce, um paulista que tem dois brechós e cobra dinheiro dos amigos quando os convida para jantar. Há também Vanderléia, talvez a mais muquirana de todas, que tem três imóveis, mas cata comida mastigada das mesas alheias para não gastar. E há ainda Clívia, que arma um casamento com seu noivo usando vestido de brechó e um bolo falso que já atravessa várias comemorações, além de pagar o fotógrafo com uma impressora velha.
Todas as atividades exigem um empenho tão grande que fica difícil imaginar que elas não tenham uma grande importância na vida dessas pessoas – que, não dá para não notar, falam de seus atos com alegria e orgulho. A lendária Laurinha Lero descreveu bem: a muquiranice opera na lógica que “o seu tempo, conforto e qualidade de vida valem zero”. Mas, ao fim de Muquiranas Brasil, a sensação meio agridoce que fica é que, às vezes, isso é tudo que nós temos.
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