Poeta, filósofo e um dos mais importantes letristas da música popular brasileira, Antônio Cícero morreu nesta terça-feira, aos 79 anos, na Suíça. Ele deixou um legado que entrelaça música, literatura e filosofia, moldando o pensamento artístico brasileiro por mais de cinco décadas. Ao longo de sua vida, Cícero construiu pontes entre a reflexão filosófica e o lirismo da canção popular, inspirando gerações de artistas e intelectuais.
Nascido no Rio de Janeiro em 1945, Antônio Cícero foi um homem de múltiplas paixões. Formado em filosofia, ele logo se destacou pela capacidade de articular com profundidade os dilemas do homem contemporâneo. Porém, foi na música que encontrou uma expressão mais acessível e popular para suas reflexões. Ao lado de sua irmã, Marina Lima, Cícero compôs algumas das canções mais emblemáticas da MPB, incluindo “Fullgás”, “À Francesa” e “O Lado Quente do Ser”. As letras de Cícero eram densas, mas acessíveis, combinando sensibilidade poética com um rigor intelectual raramente visto na música popular.
A contribuição de Cícero não se limitou à música. Como poeta, ele foi autor de obras fundamentais como Guardar (1996) e A cidade e os livros (2011), que consolidaram sua posição como um dos maiores poetas de sua geração. Seus poemas, marcados pela precisão da linguagem e pela profundidade filosófica, são meditações sobre o tempo, o amor e a existência. Também na prosa, seu ensaio O mundo desde o fim (1995) tornou-se referência entre aqueles que discutem os rumos da arte e da cultura na modernidade.
Cícero era um defensor incansável da preservação da memória e da cultura. Em suas conferências e ensaios, abordava o papel da arte como guardiã da sensibilidade humana em tempos de transformação tecnológica e social. Sua influência transcendeu fronteiras artísticas e alcançou diversos campos do pensamento, com reflexões que são tão relevantes quanto urgentes.
Sua influência transcendeu fronteiras artísticas e alcançou diversos campos do pensamento, com reflexões que são tão relevantes quanto urgentes.
O reconhecimento do valor de sua obra literária culminou com sua eleição, em 2017, para a Academia Brasileira de Letras (ABL), uma das mais altas honrarias da literatura nacional. Ao ocupar a cadeira 27, Antônio Cícero sucedeu Eduardo Portella, crítico literário e ex-ministro da Educação. Sua entrada na ABL simbolizou a consagração de um intelectual que soube transitar por diferentes linguagens artísticas sem abrir mão da profundidade e do rigor estético.
Na ABL, Antônio Cícero reforçou a importância da preservação da memória cultural e da valorização da literatura como expressão essencial da condição humana. Seu discurso de posse foi uma celebração da palavra, da poesia e da razão crítica, reafirmando sua visão de que a arte, mais do que nunca, é necessária para entender e transformar a realidade.
Antônio Cícero faleceu, mas sua obra o mantém presente no coração do país. Seu pensamento sofisticado, seu lirismo profundo e sua dedicação ao diálogo entre as artes deixam um legado incontestável que continuará a influenciar as gerações futuras. Sua poesia nos ensinou a viver com o tempo e contra ele, a resistir ao esquecimento e a buscar sentido na fugacidade da vida.
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