Autobiografias de super celebridades costumam chamar a atenção não apenas dos seus fãs, mas de um público amplo com interesse em espiar a vida daqueles que tiveram tudo – ao menos aparentemente. Quase sempre, essas vidas retratadas são repletas de glória, mas também de perdas, quando não tragédias. Olhando sob esta perspectiva, Rumo ao Grande Mistério: Memórias (editora Rocco, 2024, tradução de Ryta Vinagre), é uma obra atípica.
Para começar, não se tratam das lembranças de uma celebridade em si, mas de alguém que, sem ter escolhido, teve que conviver com os bônus e os ônus da fama. O livro é uma visita aos diários de Lisa Marie Presley, a única filha de Elvis Presley, que gravou suas histórias em entrevistas antes de morrer, em janeiro de 2023. Anos depois, suas memórias vêm a público por meio do olhar de sua filha mais velha, Riley Keough (a Daisy Jones da série Daisy Jones and the Six).
É claro que a primeira audiência visada parece ser os fãs de Elvis, sempre sedentos por alguma nova bisbilhotice na sua vida. Mas quem se aventurar nessas páginas vai encontrar um relato tristíssimo de uma mulher cercada por acontecimentos trágicos ao longo de sua vida. E que, até o fim dela, com apenas 54 anos, nunca chegou a encontrar o seu lugar no mundo.

A grande perda de Lisa Marie começa já na primeira infância: aos 9 anos, ela se torna órfã de pai, que morre por conta de uma overdose das drogas que ingeria regularmente. Tinha apenas 42 anos de idade. A menina foi uma das primeiras pessoas a vê-lo caído em seu banheiro antes que o socorro chegasse.
De uma hora para a outra, a filhinha do papai, criada como uma princesa em Graceland, no Tennessee, fica nas mãos unicamente da mãe, a muito jovem Priscilla Presley – com quem a relação, depois do divórcio dos pais, nunca foi das melhores. Sua infância, que até então parecia estar dentro de um sonho (ela se descreve como uma menina mimada, que tinha qualquer coisa que desejava e nunca tomava um não), ganha novas camadas de tristeza e luto que nunca mais se afastariam totalmente de seu destino.
Nos capítulos seguintes, o que passamos a conhecer é a história de uma jovem menina rica sem rumo. Profundamente insegura, ela não consegue de fato ser bem sucedida no que acredita ser o seu único talento (cantar). Cresce então como uma filha problema, cada vez mais afeita às drogas, e que a mãe, descrita como fria, não sabe o que fazer. O que ocorre nos anos seguintes envolvem cenas terríveis, como a de Lisa Marie sendo abusada por um dos tantos namorados de Priscilla e por fim sendo jogada em uma igreja da cientologia para que fosse criada.
‘Rumo ao Grande Mistério’ e a tragédia da fama

Estas histórias vão sendo entrecortadas pelas memórias de Riley Keough, cuja voz se torna mais frequente no livro à medida em que ele avança. Ela deixa claro que sua mãe manifestava interesse em fazer um retrato sincero e tridimensional da própria vida – promessa que, de fato, é cumprida, a julgar pela sinceridade com que Lisa Marie aborda os muitos momentos em que foi vilipendiada pela imprensa americana e mundial.
Provavelmente, a maior polêmica envolvendo Lisa Marie Presley foi o casamento com Michael Jackson, em 1994.
Provavelmente, a maior polêmica envolvendo o seu nome foi o casamento com Michael Jackson, em 1994. Ela, que havia se casado em 1988 com o músico Danny Keough (pai de Riley e de seu irmão, Ben), o deixou para se unir ao superstar, em uma relação que, conforme ela descreve em seu diário, era uma união normal, baseada em atração e afeto.
Lisa Marie conta como Michael a cercou de forma obsessiva até que se envolvessem, e que teria revelado a ela que era virgem. A separação dos dois teria se dado justamente pela proximidade crescente do cantor com as drogas (ele morreria por uma overdose de remédios em 2009), por consequência de sua paranoia e de sua incapacidade de confiar em outras pessoas, além do fato de o cantor estar sempre cercado de uma equipe que o blindava.
Todos os relatos desses episódios são postos lado a lado com autorreflexões que Lisa Marie faz de si mesma – quase todas elas, com forte teor negativo. Ela afirma que sempre foi vista pelas outras pessoas como uma pessoa triste. Mas, de fato, a camada de tragédias que escorrem sobre sua vida, apesar de todos os seus privilégios, parece algo difícil de suportar.

Riley coloca como as duas grandes catástrofes da jornada de sua mãe a perda dos dois homens de sua vida: o pai, Elvis, e seu filho Ben, que se suicidou de forma inesperada em 2020, quando tinha 27 anos. Sem nunca ter dado pistas de que possuía depressão, ele dá um tiro na cabeça após ter bebido em uma festa em casa – fato que parece ter destruído de vez o que restava de Lisa Marie.
A morbidez, contudo, sempre habitou essa família, e em vários momentos, Riley conta que seus pais preferiam as tempestades em relação aos dias de sol. Quando Ben morre, Lisa Marie tira proveito de uma brecha da legislação da Califórnia para manter o corpo do filho morto em casa por cerca de três meses. Ele só é enterrado depois de “pedir” por isso, conforme conta a sua irmã.
Lisa Marie tinha, na ocasião, filhas gêmeas de 12 anos, nascidas de seu quarto casamento, com o guitarrista Michael Lockwood (o terceiro enlace, muito breve e estranho, foi com o ator Nicolas Cage). Riley aponta que, na história de sua mãe, “a tristeza começou aos 9 anos, quando Elvis morreu, e nunca passou. Ela ficou com o coração partido a vida toda”.
Toda essa tristeza chegou ao fim, depois de uma espécie de morte anunciada, quando Lisa Marie sucumbiu por consequência, de acordo com os legistas, de uma parada cardíaca e de uma obstrução intestinal causada por uma cirurgia bariátrica. Tinha só 54 anos.
Rumo ao Grande Mistério talvez não se destaque como grande obra literária, mas tem como trunfo inegável a narrativa honesta, muito além do que se espera em um livro escrito por uma celebridade. Se Lisa Marie nunca encontrou a paz em vida, pode-se dizer que ela consegue, por meio de suas memórias, propagar uma mensagem forte sobre a conta altíssima que costuma ser cobrada pela fama.
RUMO AO GRANDE MISTÉRIO | Lisa Marie Presley e Riley Keough
Editora: Rocco;
Tradução: Ryta Vinagre;
Tamanho: 224 págs.;
Lançamento: Novembro, 2024.
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