Para quem acompanha seriados com afinco – e isso quer dizer, no mínimo, algumas 10 produções ao mesmo tempo – é angustiante abandonar uma série, deixá-la ir, parar de insistir. É quase como o fim de um relacionamento. Você viveu momentos bons, os episódios ainda te trazem alegria, mas você sabe que nada será como antes. Alguns milagres podem acontecer e o relacionamento ressurgir depois de um tempo, quando os roteiristas têm um sopro de genialidade e colocam a série nos trilhos novamente, reacendendo todo aquele amor do início. Só que, como numa relação, para isso acontecer é necessário tempo, persistência, paciência. Nem todos estão dispostos. É aí que devemos tomar uma difícil decisão: vamos terminar com ela ou não? Não é nada simples, já que você a amou durante cinco, oito, 15 temporadas, sabe de cor o nome de todos os personagens, conhece melhor o cenário da série do que seu próprio quarto e, a cada semana, espera que aquele novo episódio te resgate da agonia que é acompanhar uma história que vai morrendo aos poucos. É com dor no coração que, sabemos, precisamos abandoná-la.
Há vários exemplos de que seu relacionamento com a série anda degringolando. Um deles – e talvez o mais grave – seja esquecê-la em alguma semana. Parece que faltou fazer alguma coisa naquele dia, o que era mesmo? Ah! Assistir a um episódio inédito! Mas que preguiça, vamos deixar para amanhã. O amanhã se transforma em depois de amanhã, que acaba virando outra semana e que acaba com você se dando conta de que a temporada está terminando e você precisa ver 17 episódios pra ficar em dia. E os episódios vão acumulando e você ignorando o fato de que aquela série já não faz mais sentido.
De repente, você começa a acompanhar uma série nova que traz todo aquele frescor do início do relacionamento televisivo: ansiedade para ver o próximo episódio, falar dela para os amigos, procurar informações, postar no Facebook vídeos com as cenas que você considera sensacionais, esperar a madrugada para o episódio já estar disponível em torrent e você poder vê-la com toda atenção e carinho. Mas aí você lembra que ainda existe aquela (ou aquelas) série atrasada. Lembra dos momentos bons. Alguém, aliás, começou a ver a mesma série desde a primeira temporada e você recorda como tudo era tão perfeito. E aí você insiste mais um pouco, volta na sua pasta de séries no computador para rever os episódios atrasados, até que chega o derradeiro final de temporada (porque obviamente sua série será renovada para prolongar sua agonia). É agora ou nunca. Ou esse episódio fará você ter um fio de esperança ou você a exclui de vez da sua grade particular de programação.
É agora ou nunca. Ou esse episódio fará você ter um fio de esperança ou você a exclui de vez da sua grade particular de programação.
Recentemente recebi um feedback de um texto sobre a minissérie Heroes: Reborn (você pode ler o texto aqui), no qual o leitor dizia que eu deveria ver a temporada inteira antes de emitir uma opinião. Ora, além do referido texto ser sobre os dois primeiros episódios, é muita ingenuidade achar que, para perceber se alguma série é boa ou ruim ou se devemos continuar assistindo-a ou não, é preciso ver todos os episódios na sequência desde a primeira temporada. Dessa forma, precisaríamos assistir a todos os capítulos de Grey’s Anatomy para afirmar que, atualmente, a série anda ruim (mas deve-se esperar a temporada atual acabar, vai que melhora). Ou assistir a todos os episódios de Os Simpsons (que está na 27ª temporada) para saber dizer se houve alguma temporada mais fraca, porque a atual está boa. Ou devemos assistir todos os episódios de CSI antes de escrever sobre qual a melhor temporada e quando a série começou a cair. É masoquismo demais.
Não se engane. Até mesmo aquela série nova que anda te trazendo emoções, fatalmente irá começar a cansar, caso a emissora resolva estendê-la, obrigando você a passar pela mesma agonia. Devemos, sim, ter um olhar aguçado, entender o que os roteiristas querem com aquele texto, perceber que determinadas produções começam lentas porque os personagens precisam se desenvolver (como é o caso de Breaking Bad), precisamos confiar em quem continuou assistindo e afirma que a série fica sensacional. Mas nunca, jamais, devemos esquecer que, acima de tudo, assistir a um seriado deve ser prazeroso.
Se você cansou das intermináveis e repetidas piadas de The Big Bang Theory, senta com a série, conversa sobre como foi bom enquanto durou, mas que é melhor partir para outra. Se você anda sofrendo com a queda de qualidade de Grey’s Anatomy, chegou a hora de sair daquele hospital. Se você não aguenta mais acompanhar a vida de dois irmãos que caçam atividades paranormais, chegou a hora de dizer adeus aos Winchester e largar Supernatural de vez. E isso não serve só para séries que estão há mais de uma década no ar. Cansou de Homeland? Tchau! Cansou de How to Get Away with Murder? Adeus! Cansou de Modern Family? Nos vemos em algum episódio aleatório por aí! Cansou de Game Of Thrones? Seus amigos vão te odiar, mas abandona sem medo. Está com preguiça de The Walking Dead? Provavelmente você será excluído das rodas de conversas, mas que se dane! Não aguenta mais Ryan Murphy e suas antologias que parecem repetir assuntos? Au revoir!
Geralmente as produções mais longas são oriundas da televisão aberta. Enquanto a audiência contemplar a faixa-etária desejada pelos anunciantes, as séries serão renovadas sem previsão de fim. Os roteiristas, verdade seja dita, se esforçam, mas como manter a qualidade com um número extenso de episódios por semana? As séries acabam virando novelas, que lá pelo meio da trama se enrolam ou apenas colocam situações que não levam a lugar algum, a não ser preencher o número de episódios exigidos pela emissora. Isso ocorre, também, com séries de canais fechados, embora em número menor. True Blood (HBO) viu até mesmo seu criador abandoná-la, primeiro se afastando dos roteiros, depois da produção executiva. Weeds (Showtime) perdeu o fôlego, a audiência e o prestígio da crítica. Dexter (Showtime) foi massacrado até pelos fãs mais persistentes. E por aí vai.
Vejo muita gente que nunca mais riu depois de Friends ou How I Met Your Mother, simplesmente porque não se abriu para novas comédias. Ou que não consegue dizer adeus a alguma série que já não a faz feliz. Abandonar uma série é, então, ter olhos para outras produções, que podem ficar ruins no decorrer do tempo, mas que te darão novas experiências artísticas. Abandonar uma série que ficou ruim é ter respeito com uma produção que, durante anos, fez você reservar um tempinho do seu dia para se dedicar a ela com prazer. É liberar a agenda para conhecer o maravilhoso mundo da TV paga e da Netflix.
Abandonar uma série não impede que vocês voltem a se encontrar mais tarde e se amem novamente. Assim como ficou ruim, pode voltar a ficar boa. Mas se nesse momento você precisa desesperadamente parar de assistir aquele seriado que só te traz decepções, saiba que abandoná-lo é, enfim, conhecer o que há de melhor e pior na televisão.