Ainda falta muita estrada para que o cinema se torne um ambiente menos árido para as mulheres. É esta a conclusão a que se chega a partir do debate “Mulheres no Cinema”, um dos seminários incluídos na programação do Olhar de Cinema.
Entre as convidadas da mesa, mediada por Marisa Merlo, estavam a cineasta brasiliense Larissa Figueiredo, a diretora Jessica Candal, a documentarista e jornalista Flávia Guerra, e a realizadora e programadora de cinema Anette Dujisin.
As falas se centralizaram na discussão sobre como a mulher fala sobre cinema e sobre como é mostrada por ele. Conforme ressalta Flávia Guerra, basta analisar quantos são os filmes vencedores do Oscar que têm mulheres como protagonistas para verificar que o espaço a elas é bastante reduzido. Falta tanto representatividade quanto espaço de fala para que as mulheres possam significar o cinema.
Há uma lacuna, como ela destaca, de obras que tratem a mulher por um viés menos estereotipado, menos destinado a papéis fixos e redutores. Flávia cita o muito debatido Teste de Bechdel, elaborado pela cartunista norte-americana Alison Bechdel, que visa verificar se os roteiros cinematográficos complexificam ou não a mulher em sua narrativa. O teste consiste numa metodologia muito simples: basta testar se um filme de ficção tem ao menos uma cena com duas mulheres que conversam sobre um assunto que não seja um homem. Ainda que um tanto bobo, os resultados do teste, segundo Flávia, são estarrecedores.
‘Para que a mulher possa ter legitimidade para falar de cinema, precisa ter muita certeza do que diz. O espaço de fala é extremamente limitado’. Jessica Candal
Conforme destacam todas as convidadas, ainda há uma carência de obras que abordem a mulher por meio da irmandade, do apoio mútuo – os chamados buddy movies, muito mais comuns com personagens masculinos.
Mas, como lembra Jessica, se as mulheres nem sempre se apoiam na vida real, como esperar que esta relação apareça no cinema? É este desejo pela sororidade, aponta Flávia, que torna um filme como Thelma e Louise ainda impactante às novas gerações, mesmo depois de tantos anos de seu lançamento.
Outro tema bastante debatido é o lugar de fala da mulher como alguém autorizado a tratar sobre cinema. Não há muitos nomes femininos na crítica especializada – visto, sobretudo, como um ambiente de homens. Jessica ressalta que, quando busca galgar um espaço para expressar sua leitura sobre o cinema, é sempre cobrada para que seja altamente especializada.
“Para que ela possa ter legitimidade na sua voz, precisa ter muita certeza do que diz. O espaço de fala é extremamente limitado”, pontua. Esta questão se relaciona, segundo Larissa Figueiredo, com a própria falta de representatividade do feminino no cinema. Muitas das grandes obras cinematográficas não trazem identificação à mulher e, por consequência, ela não desenvolve uma ligação de afeto com estes filmes; por isso, acaba não expressando sua opinião. É o que ocorre, por exemplo, com o cinema western.
No que diz respeito ao cinema enquanto terreno profissional, a lógica se repete. “A mulher é muito desencorajada a suceder no cinema”, opina Marisa. Anette Dujisin afirma que, muitas vezes, é esperado que as mulheres desejem estar apenas à frente das câmeras, e não na produção. Esta visão é reiterada por Flávia e Jessica, que relataram episódios de constrangimentos em sua vida profissional.
Curiosamente, eles ocorrem mesmo entre as mulheres: Flávia conta que, ao filmar um documentário sobre motoboys brasileiros em Londres, levou um tempo para convencer as mulheres de seus entrevistados de que estava interessada em fazer um filme, e não em seduzir seus maridos.
A mediadora Marisa Merlo – que já abordou o tema da mulher no cinema em entrevista a este portal – ilustrou esta situação ao lembrar de um festival de cinema em que participou como convidada do júri, passando alguns constrangimentos por ser a única mulher entre homens. Em certos momentos, pensou em desistir, mas não o fez ao refletir que sua presença no júri configurava um espaço de resistência. “Eu pensei: se somos 10% desse júri, se eu sair, seremos zero”, recorda.
As realizadoras convidadas foram unânimes: o espaço é algo conquistado no dia a dia, a passos de formiguinha. Só sucede nesse meio quem tem resiliência. “Mulher já nasce teimosa”, opina Flávia. A julgar pelas manifestações da plateia – formada em grande parte por mulheres, realizadoras ou estudantes de cinema – estas visões são todas condizentes com a vivência de cada uma.
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