Dia desses fomos levar a filhota ao parquinho da praça central da cidade. Sabe como é, a gente vira pai e mãe, de repente se dá conta que precisa sair mais de casa, ocupar a cidade, lutar por direitos iguais para todos, enfim… Num desses arroubos de comunismo em nós, nos despimos do nosso egoísmo de permanecer entre os muros da nossa casa e fomos levar a cria para conviver em sociedade.
Era um sábado à tarde, ensolarado. Um dos poucos dias em que o calorzinho primaveril nos deu o ar da sua graça nos últimos meses. Praça e parquinho cheios, lógico. Do alto de seus 1 ano e 5 meses, a pequena criatura que chamamos de filha exultou de alegria ao perceber onde estávamos. Seus olhos brilharam ao ver aquela balbúrdia infantil: gritos misturados com risadas, uma pitada de choro aqui ou acolá. Mas com apenas 80 centímetros e iniciante na arte do caminhar, ela precisa de ajuda para ir nos brinquedos.
Brinca um pouco na balança, passa pelo escorregador, mas quer ir mesmo em um dos brinquedos mais incrementados. Sobe pela escada de um lado, passa por uma mini ponte pênsil, um túnel que chegará em outros frufrus coloridos e, por fim, em um tobogã. Essa era a teoria. A filhota começou o circuito, mas gostou mesmo é de ficar parada no túnel.
Naqueles 1,5 metro de túnel de plástico amarelo. Ela adorou ficar ali, ria muito. Sentou bem sentadinha e ficou. Acontece que a horda infantil por ali passaria para aqueles que, um pouco mais maduros, já entendem a dinâmica do circuito. Mas ela – a minha filhinha fofa, linda, maravilhosa, um anjinho (!) – decidiu parar bem no meio do túnel e ali fincaria raízes, caso fosse possível.
A primeira menina da fila atrás dela disse, gentilmente: “bebezinha, vai, a gente quer passar”. Atrás dela, uma um pouco mais velha: “óin, bebê, vamos, vamos brincar”. A terceira não foi nada complacente e empurrou todo mundo. Quem veio atrás manteve o ritmo da terceira. Um pouco empurraram, um pouco passaram por cima da minha filha enquanto eu subia no brinquedo para tirá-la de lá. Ela reclamou um pouco, mas se resignou e voltou para o balanço.
Embora todo o meu brio de mãe tenha sido pisoteado quando vi que o obstáculo ‘minha filha’ seria transposto de qualquer maneira, eu sei que ela estava errada e preciso assumir isso.
Naquele dia, fiquei pensando em quão dura era a democracia do parquinho. Embora todo o meu brio de mãe tenha sido pisoteado quando vi que o obstáculo “minha filha” seria transposto de qualquer maneira, eu sei que ela estava errada e preciso assumir isso.
Falei para ela, expliquei porque ela tinha saído de lá à força e porque as outras crianças não estavam felizes com ela, mesmo sabendo que ela não lembrará dessa lição ou mesmo desse episódio.
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Mas a história toda só faz sentido porque em tempos de Ana Julia discursando na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) e incomodando os deputados apenas porque, como diz o ditado, “o chapéu serviu”; escolas ocupadas; greves; impeachment e um panorama pouco animador na política, com uma guinada à direita, rumo ao conservadorismo, é urgente falar de política com as crianças.
Com crianças? Pois é. Urge explicar para os pequenos, desde bem pequenos mesmo, que convivemos em sociedade e a ideia de conviver era para que todos tivessem paz. Para ter paz, na teoria, pressupomos que todos terão os mesmos direitos e os mesmos deveres. Que não haverá injustiça ou desigualdade; que há regras gerais de boa convivência. E que isso vale no parquinho, com o coleguinha de escola, com a professora, com os irmãos, com os pais, com o vizinho, com o gato da vizinha e o cachorro da rua, com os primos ou com qualquer estranho na rua.
Não se preocupe em explicar conceitos ou teorias. Basta semear o bom senso. Dia desses (sim, lá vem mais uma historinha) no restaurante, o gurizinho da mesa ao lado da nossa, de uns 7 anos, viu uma pessoa muito gorda passando e falou alto e rindo: “Nossa, que cara gordo!”. Silêncio total e constrangimento em todo o restaurante. “Ah, mas é só uma criança”, diriam alguns. Pois é aí que se ensina respeito e democracia, desde criança. O pai do menino explicou calmamente que ele estava errado, que não poderia chamar ninguém assim e que, principalmente, a aparência física da pessoa não importava. “O que importa são as atitudes”, disse o pai. E fez o guri ir pedir desculpas na mesa do outro moço. Parece-me que é assim que se aprende/ensina.
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Contudo, depois do episódio do parquinho e devido ao momento atual em que vivemos, passei a pesquisar obras infantis que reúnem conceitos relacionados à política e democracia. Minha filha ainda não tem idade para ler ou compreender os livrinhos, mas os títulos estarão entre a lista de prioridades, porque em breve – em menos tempo que a gente imagina – passam os anos e terei de ensinar sobre política. Acompanha a lista:
1. A democracia pode ser assim: No livro, o conceito é retratado como “um recreio em que todos podem brincar de tudo”, onde todos podem pensar e se expressar livremente. Além deste título, a Boitempo Editorial lançou um selo infantil no início desse ano – O Boitatá – e a coleção inicial reúne outras cinco obras que tratam de temas de interesse social e cidadania. São os títulos: A ditadura é assim, As mulheres e os homens, Monstro Rosa, O que são classes sociais?, Pássaro amarelo. Indicado para crianças entre 8 e 10 anos, que talvez precisem de apoio na leitura.
2. Ensinando política a crianças e adultos: De autoria do educador Rubem Alves, que usa linguagem lúdica para explicar a estrutura política do país, usando analogias e citações históricas. Vale também para gente já adulta entender um pouco mais sobre como funciona o Brasil.
3. Quem manda aqui?: O livro, fruto de iniciativa do LabHacker, é bonito, simples e está disponível de graça na internet. Precisa dizer mais? A obra, feita por crianças e para crianças, quer explicar que “no dia a dia, as formas de organização política estão em toda parte, da diretora da escola à dona da bola. Mas o que, afinal, faz de um rei um rei? Por que algumas pessoas mandam e outras obedecem, seja nos contos de fadas ou na nossa vida?”. Vale o clique.
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