Sete minutos para o ônibus sair. Ia dar tempo. Tinha que dar tempo.
– Moça, o próximo ônibus para São Paulo, por favor.
– Não tem.
– Não tem o quê?
– Passagem. Ônibus. Nada, não tem nada.
– Mas não são nem nove horas da noite, cristo! Tem ônibus até meia-noite!
– Tinha. Não tem mais. Páscoa, né? As pessoas querem passar os dias com a família.
– Sim! Eu também quero! Eu sou parte das pessoas. Mas primeiro eu quero ir pra minha casa, que fica em São Paulo, e sair desse fim de mundo.
– Comprasse a passagem antes, amiga. Vendi a última às 15 horas, para o último ônibus. Agora só tem às sete.
– Então me vê uma pra Campinas, meus pais moram lá, fica perto.
– Não tem.
– Não é possível! Moça, eu só vim pra cá pra fazer uma reunião, não conheço ninguém na cidade. Eu não posso dormir no chão da rodoviária.
– Pode.
– Você é meio sem educação, né?
Um homem atrás na fila gritou. Ele também queria ter a chance de não poder comprar sua passagem.
– Moça, me ajuda. Abre o seu sistema, tem um lugarzinho, eu tenho certeza. Ó esse cara gritando comigo aqui atrás, tenha dó de mim.
– Não tem lugarzinho. Você pode comprar a passagem das sete ou deixar a próxima pessoa vir aqui reclamar.
– E se eu for em pé?
O homem gritou novamente.
– Posso atender o senhor atrás de você? Não tenho mais nada pra oferecer.
– Sabe onde é o hotel mais próximo?
– Google.
– Mas olha, você, puta que pariu, viu. Que puta que pariu.
Sentou no chão da rodoviária lotada e começou a pesquisar hotéis. Duas horas depois, voltou para a fila do guichê.
– Você de novo?
– Eu de novo, moça. Não tem vaga em nenhum hotel. Nenhum da-ci-da-de! Você vai precisar conseguir uma passagem pra mim.
– Não tem passagem, eu não tenho como ajudar.
– E se eu for dirigindo o ônibus?
– Você é louca?
– É sério!
Cochilou um pouco e acordou com uma criança ao seu lado, com uma calcinha na cabeça. Preferiu não tentar entender a cena. Voltou para o guichê.
– Temos motorista.
– Ele descansa, eu guio. Excelente motorista, sério.
– Próximo!
– Nada de próximo, ainda tô sendo atendida.
– PRÓXIMO!
Voltou para o cantinho em que estava sentada. Bateria do celular acabando. Cochilou um pouco e acordou com uma criança ao seu lado, com uma calcinha na cabeça. Preferiu não tentar entender a cena. Voltou para o guichê.
– Você.
– Eu.
– Ainda não temos passagem, mas a boa notícia é que daqui a sete horas serão sete da manhã.
– O último ônibus vai sair agora. Daqui a cinco minutos.
– Isso mesmo.
– E se eu for no colo de alguém?
– Você é mesmo louca.
– Mas, assim, se a pessoa aceitar, entendeu? Se eu conseguir convencer imediatamente uma pessoa a me deixar viajar no colo, eu posso? Eu pago a passagem por fora.
– Completamente louca.
– No compartimento das bagagens. Eu posso, inclusive, ajudar a cuidar dos materiais frágeis.
– Não. São 48 lugares e todos foram vendidos. Quer passagem para as sete da manhã?
– Não! Precisa ser pra agora.
– Vamos fechar. Se não comprar agora, não vai conseguir nem pra amanhã cedo.
– Cacete. Tá, me dá uma passagem pra amanhã cedo então.
Foi uma noite interminável. Tentou descansar de todas as maneiras possíveis, mas não conseguiu pregar os olhos. A criança da calcinha na cabeça passou por ela várias vezes ao longo da madrugada. Onde estaria a mãe daquela criatura?
Às sete, finalmente, estava preparada para dormir no conforto do ônibus. Entregou a passagem, entrou e se ajeitou na poltrona 31. Estava preparada para o sono profundo logo depois que o motorista desse as instruções de praxe do início da viagem.
– Bom dia! Meu nome é Rafaelo, vou conduzir vocês até Minas. Peço para que todos utilizem o cinto de segurança, que é obrigatório. Tenham uma boa viagem.
Levantou desesperada.
– MOÇO! Motorista! Pelo amor de Deus, você disse Minas?
– Isso, Minas.
– Este ônibus não tá indo pra São Paulo?
– São Paulo do Passa Quatro, Minas Gerais.