Em 1997, as Spice Girls eram estrelas mundiais, formavam a “maior girlband da história” e arrebatavam milhares de jovens, garotos e garotas, em torno de seu girl power de fácil digestão. Levar as meninas para as telas era como uma mina de ouro: mesmo se fizessem um filme ruim, ele teria uma boa arrecadação comercial. E foi isso mesmo que aconteceu: em dezembro de 1997, chegou aos cinemas Spice World – O mundo das Spice Girls, filme que foi muito mal recebido pela crítica e que até desapontou muitos fãs, mas que mesmo assim se tornou um sucesso de público, sendo o segundo filme mais visto na Inglaterra, só perdendo para o arrasa-quarteirão Titanic.
Quase chegando ao aniversário de 20 anos do filme, a Netflix inseriu o longa em seu catálogo e isso é um caminho para que gerações que não vivenciaram o boom das Spice Girls possam ter contato com esse universo. Infelizmente, essa não é a melhor porta de entrada para o universo das garotas inglesas, uma vez que Spice World soa pueril, sem criatividade e monótono. Nem a aura de nostalgia ou aquele clima vibrante dos anos 90 salvam o filme de ser uma bomba tão grande quanto outras empreitadas de estrelas pop no cinema, como Glitter, de Mariah Carey, ou Crossroads, de Britney Spears.
Nem a aura de nostalgia ou aquele clima vibrante dos anos 90 salvam o filme de ser uma bomba.
Apesar de hiper sexualizadas, as Spice Girls tinham um público infantil muito grande e esse é o principal foco do filme, que tenta desesperadamente criar situações humorísticas, porém, sem criar um arco realmente envolvente ou plausível para que a história se desenvolva. Nesse sentido, todo o filme enverga-se como um espetáculo vaudeville bem mambembe. Inspirado pelo clássico A Hard’s Day Night – com os Beatles, gravado em meio à beatlemania – Spice World é dirigido por Bob Spiers (de Absolutely Fabulous) e escrito por Kim Fuller (irmão de Simon Fuller) e Jamie Curtis. Bob até consegue criar uma aura de fantasia em torno das garotas, com um ônibus-casa de proporções irreais e cores vibrantes, porém, o roteiro de Kim e Jamie, talvez por inexperiência dos dois, recai no maior erro que poderiam cometer: eles subestimam seu público. Crianças e pré-adolescentes não teriam inteligência suficiente para um roteiro minimamente complexo?
O filme desenrola-se todo em torno de um show que as garotas irão realizar no Royal Albert Hall, no que será sua primeira performance ao vivo. A partir daí, elas enfrentam os dramas do trabalho full-time, a saudade dos amigos e o nervosismo de cantar ao vivo. Em paralelo, há um repórter que acompanha a banda, na busca de construir um documentário sobre elas – assim como acompanhamos dois jornalistas que buscam uma manchete sensacionalista sobre as garotas para seu tabloide, personificando, assim, aquilo que seriam os antagonistas do filme. Além disso, há dois personagens que querem vender um roteiro de ficção sobre a banda. Essas histórias paralelas acontecem de forma avulsa e mal-explicadas/mal-exploradas. Provavelmente, se o filme enfocasse apenas as garotas e suas tentativas de aliar carreira e vida pessoal, ele funcionaria melhor e poderia, quem sabe, ser mais sólido.
Desenhando-se sobre as construções que a mídia fez sobre cada uma das garotas – Scary Spice, Sporty Spice, Baby Spice, Ginger Spice e Posh Spice -, o filme abusa de brincadeiras com os looks de Victoria ou piadas sobre feminismo e girl power em torno de Geri. Mesmo que nenhuma das garotas seja uma grande atriz, elas conseguem vender um timing de comédia e uma simpatia na tela que merecia ser melhor aproveitada. Porém, o que temos são cenas que chegam a dar vergonha alheia, como o momento em que, apertadas, as meninas descem para um xixizinho no mato e acabam dando autógrafos para um grupo de ETs – que, por sinal, parecem os monstrengos de Os Trapalhões na terra dos monstros, clássico da Sessão da Tarde, com Angélica e o grupo Dominó.
Apesar de todos os defeitos, algo divertido no filme é ficar catando todas as participações mais que especiais: Simon Fuller, o mentor das meninas e estrela do X Factor UK, aparece rapidamente no filme, em uma cena que também conta com o apresentador e músico Jools Holland, o nosso tiozão da música alternativa na BBC. No elenco coadjuvante temos Richard E. Grant (que atualmente participou de Logan e já esteve nas séries Game of Thrones e Doctor Who), Claire Rushbrook (do maravilhoso Segredos e Mentiras e da série My Mad Fat Diary) e Alan Cumming (da franquia Pequenos Espiões e da série The Good Wife). Além disso, ainda passam pela tela Hugh Laurie, Stephen Fry, Elton John, Jonathan Ross, Bob Geldof e Elvis Costello, que faz um bartender!
Contando com bons números musicais, Spice World peca por pasteurizar as especificidades de cada uma das garotas, criando um filme bobo e entediante, o que é um pecado em se tratando de um dos maiores acontecimentos pop dos anos 90. Visto em retrocesso, é de se compreender por que o filme foi tão mal recebido à época. Infelizmente, o tempo só piora essa sensação de uma oportunidade perdida. Spice World talvez divirta os fãs mais xiitas do grupo, porém isso não diminui o fato de ser uma completa bomba.