No mês passado, algo em torno do dia 20, o cantor e compositor Johnny Hooker esteve no meio de uma polêmica. Ao comentar uma entrevista de Ney Matogrosso, considerado por muitos uma das inspirações mais diretas de Hooker, o debate extrapolou as redes sociais e dividiu opiniões. Ainda longe de ser muito conhecido pelo grande público, Hooker conseguiu sem dúvida atrair atenção para seu novo álbum, lançado pouco depois. A única coisa possível de ser afirmada é que Coração merece ser ouvido, independente das declarações pessoais do artista.
Nascido John Vicent Donovan, Johnny Hooker é descendente de irlandeses e nunca escondeu suas referencias artísticas e musicais. Do pop ao tropicalismo, exibiu uma predileção por David Bowie, Madonna e Caetano Veloso. Referências essas que de fato ficam ainda mais nítidas em Coração.
Depois de um começo relativamente bem-sucedido em 2015, o performático pernambucano oferece outro um mergulho nas desilusões amorosas, ao mesmo tempo em que passa por ritmos ainda mais brasileiros. Já na introdução, Hooker dá a tônica do que vem nas 11 faixas que compõem Coração. Sua voz característica rasgada entoa, contra um barulho de mar : “Na vida um grande amor perdi/ Um grande amor ficou fiado/ sete vezes eu morri/ sete vezes eu morri/ sete vezes eu renasço”.
Apesar de jovem, a combinação das faixas parece deixar claro que o cantor tem uma ideia muito clara de um projeto de musicalidade para sua carreira.
“Touro”, a segunda música, sem dúvida carrega uma força já conhecida, e talvez seja uma das que mais lembra os trabalhos anteriores do artista. A instrumentação, que lembra mais a do rock, parece estar ali apenas para que a voz do cantor preencha as lacunas com mais uma letra forte, dessa vez focada na ideia de que é possível começar de novo e se livrar de um amor (ou um amado) ruim: “Olha eu aqui de novo/viver, morrer, renascer /firme e forte feito um touro”.
Depois do rock, o samba. “Eu não sou um lixo” talvez seja um dos pontos altos do álbum, não apenas por (mais) uma letra que pode agradar tanto aos desiludidos quanto aos amargos, mas também pela simplicidade em si, que transforma a música em um verdadeiro chiclete, uma das daquelas que basta uma única audição para cantarolar depois lavando louça. “Corpo fechado” é um claro flerte com o brega e o frevo, trazendo a participação de Gaby Amarantos cantando “Já me desenganei desse amor marginal / Cê não vale um real / Pelos bares que andei / De você me livrei / Cê não vale um real“, é também uma mistura de desilusão e alegria. “Página Virada”, um dos pontos altos do album, lembra em muito “Atrás da porta”, não apenas pela letra, mas pela instrumentação orquestrada e lenta e pela própria entonação dramática que Hooker confere à canção.
Levando à risca um projeto musical diverso, o cantor continua se arriscando por uma gama variada de ritmos, passando pelo blues em “Página Virada”, até a solar “Caetano Veloso”. Mais ainda do que isso, o tom de poesia confessional que já tinha destacado o trabalho do cantor em seu álbum anterior aparece aqui novamente, e uma das faixas em que fica clara a posição do cantor (e aquilo que talvez tenha emergido na polêmica postagem em sua página pessoal) toma corpo em “Flutua”: “Eu já cansei de me esconder/entre olhar e sussurros com você/ somos dois homens/ e nada mais/ eles não vão vencer”. Mistura de declaração de amor e orgulho LGBT, conta com a participação especial de Liniker, e contribui de maneira interessante para o caleidoscópio que é Coração.
É preciso mencionar que o álbum não perde o folêgo, cada transição parece trazer consigo uma surpresa ainda mais agradável que a anterior. “Caetano Veloso”, uma das últimas faixas, parece uma homenagem adequada a um dos artistas que Hooker cita sempre como sendo uma de suas principais influências, não apenas pela musicalidade tropicalista, mas mais uma vez pela letra: “dançar contigo me dá Caetano Veloso”. Apesar de jovem, a combinação das faixas parece deixar claro que o cantor tem uma ideia muito clara de um projeto de musicalidade para sua carreira. Tudo se alinha, ao mesmo tempo em que todas as faixas parecem ter suas características contraditórias.
Coração mistura resgate do amor próprio com bom humor, leveza e uma boa dose de decepção, sem perder a energia que vem tornando Johnny Hooker cada vez mais conhecido. Se a discussão com Ney Matogrosso (a respeito da representatividade do movimento LGBT) acabou não caindo bem para o cantor, seu trabalho se mostra cada vez mais consistente e afinado com o que existe de melhor na música brasileira atualmente.