Fabio Meira, de 37 anos, é o nome por trás de As duas Irenes (2017), filme que levou quatro prêmios no 45º Festival de Gramado e os de Melhor Filme de Estreia e Melhor Fotografia no 32º Festival Internacional de Cinema de Guadalajara. Longe do aspecto mais aprofundado sobre a produção do filme, o principal tema de reflexão do longa é sobre a passagem da infância à juventude de duas meninas com uma história muito peculiar numa cidade de interior.
Irene, interpretada por Priscila Bittencourt, tem 13 anos de idade e é a filha do meio de uma família tradicional no interior. Quando percebe que sua irmã mais velha está prestes a completar 15 anos e os olhos da família se voltam basicamente a ela e à irmã mais nova, que ainda é uma criança de colo, Irene começa a questionar sobre a sua própria individualidade. É neste momento que acaba descobrindo um segredo: o pai tem uma outra filha, com a mesma idade e, para piorar, o mesmo nome.
Mais do que questionar o fato de que o pai tem outra família (o que, de fato, abalaria as estruturas da família tradicional do interior), Irene se aproxima sutilmente da sua outra meia-irmã. Como num espelho de universos paralelos, a “outra” Irene (interpretada por Isabela Ribeiro), é quase o oposto da Irene “original”: ela é mais espontânea, tem mais liberdade dentro e fora de casa e, quase sempre, é a que toma atitude na hora de beijar outros meninos. Ao ver isso, a Irene criada numa família tradicional sob rígidas rédeas começa a questionar ainda mais esses limites impostos a ela.
As duas Irenes é um drama delicado com uma direção minuciosamente atenta.
É a partir daí que a nossa, até então, protagonista coloca em cena sua necessidade por respostas quanto à sua própria identidade. O encontro com a meia-irmã é, na verdade, um estopim para os devaneios de auto-conhecimento que Irene sempre teve ao viver enclausurada naquele ambiente de família tradicional. Além disso, o filme, totalmente ambientado em uma pequena cidade de interior, causa ainda mais reflexividade a este período conturbado da adolescência feminina.
“Há algo de misterioso, de lírico nas paisagens de Goiás”, revela o realizador Fabio Meira em entrevista ao jornal goiano O Popular. E, neste sentido, apesar de longe de serem conterrâneos, o filme Os famosos e os duendes da morte (2009), sob direção de Esmir Filho e com roteiro de Ismael Caneppele, muito se assemelha ao filme de Fabio Meira: o mistério da busca de uma identidade na adolescência em uma pequena cidade do interior que, no caso do filme de Esmir, é no interior do Rio Grande do Sul.
O principal ponto que se põe à tona no longa de Meira, no entanto, não é nem essa busca juvenil – que, afinal de contas, todos nós temos. Mas é, justamente, essa fase de transição no universo feminino com uma tremenda delicadeza que surpreende, pelo fato de ser de um diretor de longa-metragem de primeira viagem e muito se assemelha ao delicado romance de Elena Ferrante, Uma amiga genial. Tudo isto aliado ao cenário da natureza goiana e aos figurinos perfeitamente adequados à narrativa – que, até certo ponto, deixam o espectador com uma certa dúvida quanto à temporalidade, o que pode ser intencional justamente para ampliar o universo de sentimentos das duas Irenes.
No fim, são ingredientes certos de uma receita para um filme muito bem composto e produzido de maneira hermeticamente acertada. Quando se assiste As duas Irenes é perceptível que é um drama delicado, ao seu próprio modo, porém sob mãos de uma direção incrivelmente atenta às minúcias e detalhes na criação do universo da narrativa.
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