Na semana passa, o escritor americano George Saunders levou pra casa o Man Booker Prize pelo romance Lincoln in the Bardo, anunciado pela Companhia das Letras para o ano que vem. Enquanto 2018 não chega, o leitor brasileiro pode ir se familiarizando com o universo do autor a partir do ótimo livro de contos lançado por aqui em 2014, com tradução de José Geraldo Couto.
Dez de dezembro é um livro bem esquisito, mas é esquisito no bom sentido, de originalidade, de provocar estranheza, deslocamento e um pouco de confusão, de fazer você rir e depois se sentir mal por isso, etc.
George Saunders faz um retrato perturbador e às vezes até engraçado do mundo contemporâneo. Utilizando um sarcasmo bastante ácido e uma habilidade narrativa impressionante, ele levanta o tapete já meio engordurado da sala da sociedade e escancara a imundície da classe média norte-americana escondida ali embaixo.
É esquisito no bom sentido, de originalidade, de provocar estranheza, deslocamento e um pouco de confusão, de fazer você rir e depois se sentir mal por isso.
São dez contos que circundam este mesmo tema, mas que são apresentados de maneiras distintas em sua forma, variando entre diários, memorandos (WTF?), delírios, etc. Exímio contista, Saunders chama a atenção pelo uso bastante criativo da linguagem (se você procurar informações sobre ele, encontrará comparações com David Foster Wallace, o que é um bom sinal dependendo dos seus interesses literários), com fluxos de consciência densos que não facilitam muito a vida do leitor, mas que aos poucos ganham contornos mais nítidos e significados mais profundos.
O autor não verbaliza grandes reflexões a respeito da humanidade, mas a partir da linguagem e da descrição de eventos banais, com um pé no ridículo ou no absurdo, que resvalam no melancólico e lembram até mesmo o humor corrosivo de Os Simpsons, grandes questões acabam sendo reveladas.
Muito da crítica que o livro propõe está não exatamente naquilo que os personagens fazem diretamente, mas sim naquilo que eles deixam de fazer ou de falar. O garoto que observa sua vizinha em perigo e não reage, o pai de família que tenta sustentar um status social que não condiz com os seus ganhos, as cobaias envolvidas na criação de um remédio para que as pessoas deixem de ter sentimentos, o comerciante falido que não vê saída para a sua vida, a família que pretende adotar um animal de estimação e se depara com uma situação degradante, enfim, todos eles são personagens tristes, que parecem se dar conta de sua condição, mas que preferem ignorá-la para seguir em frente, como se estivessem condicionados pelo modelo preestabelecido de busca pela felicidade.
Nesse sentido, podemos perceber claramente que todos os personagens do livro pensam de uma forma, mas agem de maneira completamente diferente daquilo que pretendiam/planejavam. E assim fica meio difícil a gente não se identificar, não é mesmo?
Além de conseguir apresentar um ponto de vista curioso e, a meu ver, inovador a respeito da contemporaneidade, mostrando o quanto o mundo anda surtado entre as quatro paredes daquilo que conhecemos como vida comum, George Saunders traz um novo respiro à forma de contar histórias e mostra que o conto (nestes tempos em que o Nobel de Literatura recentemente foi para uma contista, Alice Munro) é um gênero menor apenas no volume de linhas.
DEZ DE DEZEMBRO | George Saunders
Editora: Companhia das Letras;
Tradução: José Geraldo Couto;
Tamanho: 248 págs.;
Lançamento: Maio, 2014.