Todos somos, fomos ou um dia ainda seremos um pouco bregas. Graças a Deus! Está na alma brasileira, no DNA guapeca de nosso povo, feito de remendos étnicos, sociais e culturais. Somos morro, roça e asfalto, casa grande e senzala, cobertura com piscina e laje, tudo ao mesmo tempo agora. Posar de chique por aqui é muito cafona. Já ser brega…
Quando eu era guri, quem ouvia MPB, e até mesmo rock-and-roll, fazendo cara de conteúdo, buscando significados cifrados, e mensagens subliminares nos versos e acordes, torcia o nariz à simples menção do nome de um Odair José. O cantor, para essa gente, que se achava “diferenciada” e culta, fazia música alienada para empregada doméstica e porteiro de prédio. Só merecia ser ouvido na área de serviço, em radinho de pilha, ou no programa do Chacrinha, onde, paradoxalmente, todos tinham vez em um projeto antropofágico tropicalista à frente de seu tempo.
Todos somos, fomos ou um dia ainda seremos um pouco bregas. Graças a Deus! Está na alma brasileira, no DNA guapeca de nosso povo, feito de remendos étnicos, sociais e culturais.
Em maio de 1973, Caetano Veloso cantou, ao vivo e em plena ditadura, “Eu Vou Tirar Você desse Lugar”, que falava de um cara que prometia tirar sua amada da zona, e muita gente ficou muda, sem saber muito bem como reagir, “Como assim? Isso lá é música?”, se indagaram para, muitos anos mais tarde, mudarem de opinião e passarem a considerar Odair José cult, um “poeta marginal”, voz dos suburbanos invisibilizados. Amado Batista, Reginaldo Rossi, Sidney Magal e Roberta Miranda, de uma certa forma, pertencem a essa constelação de “gênios” subestimados do andar de baixo, sempre no limbo entre o luxo e o lixo, dependendo do discurso e do lugar da fala, só para usar um termo hoje bastante em voga.
A verdade é que cultura de massa, no Brasil, não é para iniciantes, não. O jornalismo cultural, historicamente, sempre teve por estas bandas a marca do esnobismo. Padece de uma dificuldade enorme em legitimar a voz do povo e, quando o faz, é com certo atraso, meio a contragosto, relutante. Prefere ditar, de cima para baixo, o que presta a se dar ao trabalho de ouvir, assistir ou ler tudo que tenha, de alguma forma, caído no gosto popular. O primeiro impulso é descartar o que, a seu ver, não traz “conceito” ou não é capaz de legitimar um conjunto de referências que torna especiais esses autoproclamados formadores de opiniões. Preguiça!
Percebo que são recorrentes os vícios, herdados de uma elitização excessiva não apenas da cultura, mas principalmente dos discursos sobre ela, sempre colocada em contraponto ao entretenimento, este uma espécie de primo pobre, porém muito popular e subestimado.
Há hoje uma dificuldade imensa, por exemplo, em se reconhecer qualidade e significado no trabalho de uma Anitta, vista por muitos – e não falo apenas de conservadores que reprovam a sexualização de suas letras e performances – como artista fabricada, vulgar. Já vi esse filme antes e, aqui, posso citar Madonna, no início dos anos 80, ou Lady Gaga, há uma década. Ambas desancadas, em um primeiro momento, por serem derivativas e insuportavelmente pop e vazias. O tempo, no entanto, é senhor.
Vale lembrar que Caetano Veloso e Gilberto Gil, patriarcas do tropicalismo, e para quem Chacrinha era uma espécie de xamã, convidaram Anitta para dessacralizarem juntos, diante do olhos do mundo, os clássicos “Aqui o Que É”, de Ary Barroso, e “Sandália de Prata”, de João Gilberto. Muitos acharam brega. Azar deles! Para mim, faltou “O Show das Poderosas” ou “Bang”, que tocou alucinadamente durante as competições. Pena que Pabllo Vittar ainda era apenas uma promessa.