Ontem, acordei com a notícia de que havia falecido, aos 88 anos, o escritor americano Tom Wolfe, um dos maiores expoentes do New Journalism, e duas imagens me vieram de imediato à mente. A primeira, o icônico terno branco que Wolfe trajava invariavelmente e que, em suas palavras, servia para desarmar as personagens que observava, tornando-o “um homem de Marte” aos olhos delas, “um homem que nada sabia, mas que estava ansioso para saber”. A segunda, um tanto mais abstrata, é de páginas recobertas de um texto caótico, pontuado de forma extremamente particular, um staccato de travessões e onomatopeias, uma tempestade furiosa de neologismos e fragmentos de consciência.
Embora o vestuário seja uma característica memorável de sua faceta pública, é a segunda imagem que representa a verdadeira essência do que foi a contribuição de Tom Wolfe ao mundo das letras, e à cultura contemporânea em geral: sua inconfundível voz autoral. Com um nível técnico igualado por poucos de seus contemporâneos (como Truman Capote, Hunter S. Thompson e Norman Mailer), Wolfe tornou difusa a fronteira até então concreta entre jornalismo e literatura, entre ficção e não-ficção.
Em obras como Radical Chic & Mau-Mauing the Flak Catchers e The Electric Kool-Aid Acid Test (cujos títulos esdrúxulos já servem de exemplo da escrita imprevisível do autor), Wolfe estabeleceu os fundamentos do que viria a ser chamado de New Journalism, o jornalismo literário norte-americano dos anos 60 e 70.
O que diferenciava Wolfe de outros grandes nomes do gênero como Gay Talese era seu espírito incendiário, sua vontade de esmiuçar a cada linha escrita todas as convenções e amarras jornalísticas que haviam limitado seus predecessores.
Mesclando técnicas de apuração, investigação e síntese características do jornalismo tradicional com artifícios narrativos próprios da literatura contemporânea (fluxo de consciência, utilização de múltiplos pontos de vista, desconstrução de conceitos clássicos), o New Journalism marcou o advento da literatura de não-ficção (creative nonfiction) como uma vertente literária que merecia ser levada tão a sério como um propulsor de ruptura artística quanto qualquer movimento pós-modernista.
Por utilizar apenas a própria realidade como matéria-prima de suas narrativas, o trabalho de Wolfe e seus contemporâneos demandava intensa imersão no universo de suas personagens, fossem elas representantes da elite cultural de Manhattan ou da contracultura do LSD na Califórnia.
De fato, o que diferenciava Wolfe de outros grandes nomes do gênero como Gay Talese era seu espírito incendiário, sua vontade de esmiuçar a cada linha escrita todas as convenções e amarras jornalísticas que haviam limitado seus predecessores. Esse impulso implacavelmente criativo se refletiu em sua prosa, uma das mais experimentais de sua época, empregando recursos sonoros e narrativos diversos. A cada novo artigo, livro ou reportagem, Wolfe reinventava sua escrita e redefinia os limites do jornalismo – e da própria literatura.
Em 1987, o escritor fez sua estreia como autor de literatura de ficção com o aclamado A Fogueira das Vaidades, drama satírico que dissecou impiedosamente a sociedade novaiorquina da época. A partir de então, publicou outros romances como Sangue nas Veias, que examinou os conflitos culturais em Miami, com ênfase nas comunidades cubanas da cidade. A fase tardia de Wolfe também é marcada por demonstrações mais exacerbadas de um conservadorismo que já se podia observar em suas obras mais icônicas, dos anos 60 e 70. Divergências pessoais com a opinião política do autor, contudo, não devem servir de empecilho para que novas gerações de jornalistas e entusiastas da não ficção possam conhecer seus textos mais importantes, verdadeiros tesouros históricos e culturais.