E lá estou eu, com três, quatro anos e olhe lá, sentado em uma cadeira de madeira na casa da vovó. É uma cadeira grande e espaçosa e, ademais, eu sou pequeno. Posso ficar todo encolhido em um canto da cadeira, e é exatamente isso que estou fazendo. Isso porque resolveram colocar um gato em cima da cadeira, e se tem uma coisa que eu tenho medo, mas medo de verdade, é gato. Então eu fico encolhido de um lado da cadeira, prestes a abrir um berreiro, e do outro lado está um terrível e ameaçador gato. Seja dito em favor do gato que ele não está ligando nem um pouco para mim. Em verdade, está virado para o chão e já prepara o bote para saltar da cadeira, mas a mim já era apavorante que ele estivesse ali do lado.
Essa foto causa muita risada nos outros, isto é, naqueles que nunca tiveram medo de gato, ou, mais provavelmente, nos que nunca foram fotografados no exato instante do seu medo. A foto também é o máximo que consigo recuar na genealogia dos meus medos. O medo de gato, veja você, foi o meu medo primordial. Se tive outros antes, não deixei provas.
O medo de gato, veja você, foi o meu medo primordial. Se tive outros antes, não deixei provas.
Mas esse era um medo inconsciente. Depois que cheguei à idade da razão, o primeiro medo de que me lembro é o das cobras. Isso pelo fato de eu morar no meio da selva, onde, de vez em quando, aparecia realmente uma cobra. Às vezes a bola caía na grota nos fundos de casa e eu deixava lá, era melhor perder a bola que a vida. Em outras vezes eu buscava, mas sempre encomendando a minha alma, e uma vez eu vi alguma coisa se mexer e achei que uma cobra havia me mordido de verdade. Mas não.
Outro medo que eu tinha nessa época era de bandido. Tinha medo de que um deles entrasse em nossa casa. Às vezes eu acordava no meio da noite e tinha a nítida impressão de que um bandido estava dentro do meu quarto. Eu tinha um balão de festa junina, feito de papel, pendurado no teto, era uma montagem de revista de criança, e aquilo, no escuro, era uma perfeita cabeça de bandido. Não ousava me mexer, era sempre melhor que ele não soubesse que eu sabia. Até que amanhecia e o bandido voltava a ser um balão de festa junina pendurado no teto.
Mas o medo do bandido, e o medo da cobra e, quem sabe, até o medo do gato, era apenas o medo de morrer. Não queria morrer tão novo assim, mas achava que estava sempre a um passo da morte, e até cheguei a pensar em uma palavra para dizer na hora da morte, tão convencido estava que ela viria. Diria “Deus”, o que sem dúvida me levaria ao céu, e tenho certeza que disse isso quando a cobra me mordeu. É algo que os hindus também fazem antes de morrer.
O medo da morte, se é que há algum que não seja, é o único desses que eu ainda cultivo, mas já fui pior, já fui mais hipocondríaco, já registrei minhas últimas vontades antes de fazer um exame (e era só um exame, não uma cirurgia). Não morri, até hoje não morri, e hoje acho até que deve ser um barato muito bom, diz que na hora H o cérebro lança uma última cartada e libera substâncias prazerosíssimas.
Falo, falo, mas acho que deixei passar o medo mais importante de todos. Alguma coisa muito grave me aconteceu quando eu era pequeno. Eu devo ter tido um gesto, uma frase, alguma coisa que foi mal interpretada e mal recebida. Desde então, durante a minha vida inteira, eu tenho evitado gestos e frases que possam ser mal interpretados ou recebidos. Eis a verdade: eu tenho medo de gente. Medo que elas me censurem por alguma coisa que eu faça ou diga. E é um medo tão infantil quanto aquele dos gatos.