A história é similar a tantas outras. Uma banda punk nascida no subúrbio de São Paulo escarrando em letras raivosas e melodias simples e dinâmicas a realidade de suas vivências e experiências. Há 22 anos, na Zona Norte de São Paulo, fagulhava o que se tornaria o Flicts, um trio que extravasaria o comum e o previsível com um punhado de talento e um bocado de boas ideias.
Os irmãos Arthur (guitarra e vocais) e Rafael (bateria) uniram esforços ao baixista da Cidade Ademar – bairro periférico de Sampa – Jeferson (líder hoje da renomada banda de hardcore Agrotóxico) para formar um dos mais proeminentes e interessantes trios do punk atual.
O primeiro disco, gravado em 2002, só tomou maiores proporções em 2010, ao ser distribuído pelo selo True Rebel Records. Canções de Batalha é um apanhado de excelentes hinos punks que resgatam a aura da música de protesto, do tradicional punk 77 e dos refrões para se cantar em coro com as veias do pescoço saltando.
Os autênticos riffs do verdadeiro punk rock, aqui muito embebidos pela influência dos grandes nomes ingleses do final da década de 1970, amparam a insatisfação do trio logo nos primeiros segundos do álbum: “Ninguém vai legislar sobre a minha liberdade/ Disciplinar minha conduta, minha vontade/ Cuspir em cima do que você respeita/ Abraçar aquilo que você rejeita”.
A música dos Flicts é urgente. E como um panorama do Brasil real escancarado, a banda denuncia a apatia de nosso povo na empolgante “Assim caminha o busão” e explicita a realidade dos jovens da periferia, colocando em xeque o grande dilema da meritocracia em “Juventude”: “Crescendo na miséria/ Sonhando pela rua/ Sem passado e sem futuro/ Entre o crime e a labuta”.
A quantidade de adjetivos para Canções de batalha não é exagerada. O trio realmente representa com muita competência o punk brasileiro desta geração. As melodias são intrincadas e bem construídas, assim como as letras e os jogos de vozes.
E as denúncias e cutucadas em feridas abertas não param por aí. A crítica ao capitalismo exacerbado e seu modelo de trabalho vigente tornam-se um empolgante punk daqueles que dá vontade de cantar junto pulando pela sala, enquanto Arthur berra no refrão de “Autogestão”: “Mate seu patrão e implante a autogestão!”.
O protesto político também encontra voz nas excelentes “Um grito vindo da rua”, “Massa” e na autoexplicativa “Cuspir em tudo”. Mas engana-se quem acha que os Flicts ficam por aí. Neste painel do Brasil cru também há espaço para crônicas da vida noturna, como “Briga de bar”, para a paixão pelo futebol do trio como na divertida “Lá se vai o campeonato” e também para a exploração de um dos mais belos sentimentos, a amizade, na cadenciada e emocionante “Amigos”.
A quantidade de adjetivos para Canções de batalha não é exagerada. O trio realmente representa com muita competência o punk brasileiro desta geração. As melodias são intrincadas e bem construídas, assim como as letras e os jogos de vozes.
Os Flicts mantiveram a chama acesa e gravaram, em 2013, Singelos Confrontos, que na esteira do álbum antecessor conclama canções que abordam o orgulho de suas origens, primeiro em um âmbito microscópico em “Meu bairro, minha rua”, depois em uma dinâmica macro em “Latino América”.
O punk mais enérgico dá as caras nas ótimas “Um brinde”, “Diferentes atores, mesmo papel” e “O povo onde está”. O álbum ainda apresenta duas canções de protesto com cara de hino punk, como “Liberta” e a antifascista “Desmascarar sua bandeira”, uma autêntica crítica ao comportamento neofascista de grupos paulistanos.
Na mesma linha, o trio lançou, em 2015, o EP Sonhos corrompidos, com 7 canções, entre elas, uma versão em espanhol para “Latino América”.
Em um estilo com tantas características intrínsecas, os Flicts se destacam fazendo o que sempre funcionou no punk rock: música simples, com acordes dinâmicos e sem firulas, que são pano de fundo para letras contestadoras. Entretanto, o trio paulistano o faz com esmero, cuidado e qualidade, o que garante certamente o posto de um dos mais interessantes nomes do gênero na atualidade.
NO RADAR | Flicts
Onde: São Paulo/SP;
Quando: 1996;
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