Frankenstein: ou o Prometeu Moderno é um dos livros mais icônicos na sociedade ocidental. Escrito por Mary Shelley, a obra foi um marco na literatura gótica, abriu caminho para a construção de uma ficção científica e popularizou temáticas como a criação de vida artificial. Desde sua primeira publicação no começo do séc. XIX, a obra teve mais de três edições, cerca de 15 adaptações cinematográficas e serviu de inspiração para incontáveis personagens (e você pode saber mais sobre o livro conferindo minha resenha sobre o livro).
O que nos interessa aqui é esmiuçar as razões por trás do subtítulo da obra – o Prometeu Moderno. As razões para a presença dessa figura mitológica estão ligadas à história do cientista Victor Frankenstein. O estudante era um jovem ambicioso que queria transpor a barreira entre a vida e a morte. Conseguiu. Ao dar a vida a uma criatura composta por pedaços de outros cadáveres, o monstro avivado pelos relâmpagos da noite chuvosa se tornaria também a causa do seus maiores sofrimentos.
Do outro lado, Prometeu, irmão de Atlas, é o titã grego com o dom da premonição que auxiliou Zeus a se tornar o rei dos deuses, subjugando Cronos. As versões divergem nesse ponto da história, mas no auge de seu poder, Zeus decide exterminar os homens e Prometeus intercede por eles, roubando o fogo divino. Colérico, Zeus pune Prometeus e o deixa preso a uma rocha onde, todos os dias pela manhã, uma águia vem lhe bicar o fígado regenerado – e assim fica durante anos, até que Hércules cruze seu caminho.
No momento em que Mary Shelley escreve Frankenstein, a literatura retomava suas referências aos mitos gregos como forma de ressaltar a pureza do mundo antigo em contraste com a modernidade. A figura de Prometeu pode ser uma maneira de contrastar a pureza da arte com a perversidade da ciência, mostrando não a audácia em desafiar os deuses, mas a arrogância do ato de subverter a natureza. No entanto, outras aproximações são possíveis.
A lição que parece surgir daí é que, ainda que próximo do imortal titã, a trajetória de Frankenstein próxima a de Io nos deixa um lembrete claro da condição humana. Ainda que tentemos cruzar as fronteiras e criemos monstros, a humanidade está fadada a morte.
Tomando como ponto de partida a versão de Édipo na peça Prometeu acorrentado, vemos uma tragédia cujo objetivo principal é a exibição da dor, do pathos. Esse tom da narrativa também permeia a história de Victor Frankenstein, cuja dor do arrependimento marca grande parte da sua história. Prometeu também é um agente civilizador, pois o fogo divino entregue aos homens é o conhecimento que permite o desenvolvimento das artes, da ciência e da medicina. Por essas razões é ele que, nessa versão, dá aos homens a esperança de sobrepujar a morte e os outros males liberados da caixa de Pandora. Por outro lado, ao suplantar o limiar que separa a vida da morte, Frankenstein alcança um novo patamar no conhecimento científico e na esperança. É por cruzar esses limites que ambos são punidos por essa ousadia e ganância por toda a vida – ainda que o sofrimento chegue ao fim para ambos.
É possível visualizar uma proximidade não só na figura de Frankenstein em Prometeu, mas também da criatura em Zeus. Estes, recém-chegados numa posição de poder e com grande força, fazem exigências ao aliado. Aqueles, por não se curvarem aos novos mandos, são punidos.
Uma contraposição, no entanto, se faz interessante. Enquanto o imortal Prometeu é condenado à imobilidade, a vida de Victor é muito próxima da mortal Io, personagem humana condenada a vagar. Punida por Hera, Io foi transformada em novilha branca e caminhava guiada por ferroadas e estava fadada a cumprir seu destino, iniciando a linhagem que geraria Hércules, o libertador de Prometeu.
A lição que parece surgir daí é que, ainda que próximo do imortal titã, a trajetória de Frankenstein próxima a de Io nos deixa um lembrete claro da condição humana. Ainda que tentemos cruzar as fronteiras e criemos monstros, a humanidade está fadada a ser mortal.