Ir para a Festa Literária Internacional de Paraty era um objetivo meu há muito tempo, desde quando era um adolescente sem saber qual curso prestar, mas que “queria escrever”. A decisão, feita por um grupo de amigos quase por impulso, foi tomada em outubro do ano passado – e, até quinta-feira passada (11), nem sabíamos se a casa alugada realmente existia.
Chegamos no segundo dia da Flip, pela tarde, e só conseguimos conhecer a cidade durante a noite. Nesse dia, vimos pouca coisa. Descobrimos a distância que a casa tinha do Centro Histórico (uns 20 minutos caminhando por duas ruas retas), andamos por algumas ruas, vimos a Livraria das Marés e conhecemos a Praça com os drinks de nomes estranhos e espaço dos slams. Quase vimos um show da Adriana Calcanhoto.
Com as casas fechadas, as ruas lotadas de artesanato e diversas pessoas com camisetas em apoio ao governo (que, no dia seguinte, fariam parte das pessoas protestando contra Glenn Greenwald), a primeira impressão não tinha sido das melhores – provavelmente uma frustração com a expectativa alta, quem sabe?
No entanto, sem fazer nenhuma programação ou lista de interesse, nos outros dois dias descobri uma ampla variedade de mesas, editores, autores, amigos e publicações. Para não fugir do propósito desta coluna, são esses saberes que compartilho com vocês.
Sexta-feira, 12 de julho – Barco Pirata, Editoras e Autores Independentes e Chico Felitti
A primeira atração da sexta-feira foi o Barco Pirata das Editoras Independentes (FLIPEI), onde vimos uma palestra sobre a militarização do Estado brasileiro com Eduardo Reina, jornalista que publicou Cativeiro sem Fim, livro de relatos sobre sequestros e desaparecimentos de crianças e adolescentes durante o período da ditadura, e Renan Quinalha, advogado e professor de Direito na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) que pesquisa principalmente o movimento LGBT no Brasil.
Foi no Barco que também percebi a quantidade de material gratuito distribuído, muitos com material de qualidade e produzido exclusivamente para a feira. Neste caso, o jornal da FLIPEI tinha materiais como a produção socialista de Euclides da Cunha e resenhas dos livros no catálogo e que estavam a venda na Festa.
Neste dia, andei pouco. Fiquei na metade da rua principal e em alguns lugares paralelos. Um deles foi a Casa da Porta Amarela. Ali estavam diversas de editores e autores independentes e foi onde fiz algumas descobertas.
As primeiras coisas que chamam a atenção são as revistas em exposição, principalmente a Revista Linguará, cujas edições são organizadas por letras (as três primeiras, A, B e C, já foram publicadas) e são focadas na língua portuguesa, e a Laranja Original, publicada pela editora homônima e fala de Arte e Literatura. Outra descoberta foi a YoYo Zine, uma revista de arte e cultura voltada para o público infantil.
Interessante ressaltar que as ruas são todas desniveladas, com pedras tão saltadas que é quase impossível andar de maneira desatenciosa.
Saindo da Casa da Porta Amarela, me dirigi à Casa do Instituto Moreira Salles (IMS), onde vi uma palestra do jornalista Chico Felitti sobre seu contato com seus personagens. Chico é um jornalista que já deu uma entrevista para a Escotilha e publicou o livro Ricardo e Vânia, fruto de um perfil intitulado “Fofão da Augusta? Quem me chama assim não me conhece” que conta a história de Ricardo Corrêa da Silva, famoso artista de rua da cidade de São Paulo.
Nesse bate-papo, Chico contou sobre o processo de escrita do livro, a importância da sua mãe e escritora na aproximação com Ricardo, do plano para o próximo livro, sobre João de Deus e Abadiânia e de como foi encontrar com Vânia. O IMS e a Rádio Batuta devem disponibilizar uma versão em podcast desse encontro nos próximos meses.
Por fim, fomos embora. Interessante ressaltar que as ruas são todas desniveladas, com pedras tão saltadas que é quase impossível andar de maneira desatenciosa. Descubro, na semana seguinte, que as calçadas são mais altas que o meio da rua por conta do mar – quando o nível da água sobe, a água se concentra no meio e as calçadas continuam (além disso, o Centro Histórico de Paraty é fechado para carros).
Sábado, 13 de julho – Ruas de Paraty, Cadeia Literária e as comidas
Sábado foi o dia de andar a esmo. Conhecemos praticamente todo o Centro Histórico e a maior parte dos encontros foi intuitiva. Em um desses palpites, entramos na casa da editora Sesc e assistimos ao lançamento de dois e-books: Acesso Negado: Propriedade Intelectual e Democracia na Era Digital, da professora e cientista social Maria Caramez, e Democracia e os códigos invisíveis, do professor e sociólogo Sérgio Amadeu. Ambos falaram sobre os perigos das grandes corporações que controlam dados e o papel político dos algoritmos e da propriedade intelectual nos dias de hoje.
Ao mesmo tempo em que ouvíamos essa palestra, encontramos um livro de fotografia que reconta a história das bibliotecas pelo mundo ao longo dos anos. Organizado pelo arquiteto James Campbell, o livro se chama A Biblioteca: uma história mundial e faz um panorama da antiguidade até os anos 2010, refletindo sobre a importância e o papel social das bibliotecas.
De lá, caminhamos até a Cadeia Literária, e acompanhamos duas mesas. A primeira delas era “Curadorias literárias e extraliterárias: os desafios de pensar no além-cânone”, uma conversa com o editor do Suplemento Pernambuco Schneider Carpeggiani e a poeta e escritora Lubi Prates, mediada pelo curador e antropólogo Hélio Menezes, versou sobre a opressão do cânone e a necessidade de um trabalho de resistência na área da crítica e da curadoria cultural.
A última mesa vista, tanto na Flip quanto na Cadeia, era sobre os processos de escrita de ficção histórica com os autores Bruna Meneguetti, escritora do O último tiro da Guanabara (2019), Deborah Dornellas, que publicou o Por cima do Mar (2018), e José Almeida Junior, responsável por O homem que odiava Machado de Assis (2019). Nesta mesa “Elementos históricos em romances históricos e não-históricos”, os escritores falaram um pouco sobre suas metodologias de pesquisa, seus processos criativos e a formulação das narrativas.
Por fim, no domingo não tivemos espaço. A maior parte da manhã foi gasta na devolução da casa e, ao voltar para a cidade, as casas estavam quase todas fechadas. Voltamos para São Paulo.