Ao longo dos musicalmente profícuos anos 90, tivemos a sorte de conhecer grandes bandas e receber seus discos impecáveis que ajudaram a definir uma geração. Foi a época em que o grunge se tornou a estética prioritária dos jovens, representando a desesperança vigente e o cansaço de tudo. Ainda assim (ou por isso mesmo), o grunge era cool, pois aquela postura constante do “foda-se” – mantida por estrelas como Kurt Cobain e todas as músicas arrasadoras do Nirvana – conseguia traduzir uma angústia coletiva então vigente.
Mas havia uma banda que se mantinha como uma espécie de “filho bastardo” desta turma – uma banda que poderia ter sido a maior, mas que perdeu seu posto de the next big thing justamente para a banda de Kurt Cobain. Falo dos Smashing Pumpkins, compreendidos como um grupo que corria em paralelo à onda grunge, uma vez que priorizava pelo perfeccionismo numa época em que a música prezava pela rusticidade. Não por acaso, Billy Corgan, a cabeça dos Smashing Pumpkins, era visto como um egocêntrico (Kim Gordon, baixista do Sonic Youth, chegou a escrever em seu livro A garota da banda que ninguém gostava do grupo pois se levavam muito a sério).
Independente do que se pense do vocalista, uma coisa é inegável: os Smashing Pumpkins nos entregaram alguns dos melhores discos produzidos nas últimas décadas. Antes de realizar aquela que seria sua obra prima – o épico duplo Mellon Collie and The Infinite Sadness, em 1995 – a banda lançaria, há 30 anos, aquele que é o favorito no coração de muitos fãs. Falo do icônico Siamese Dream, disco que fala de temas que tocam diretamente na dor vivenciada por muitos – os que não se adequam, os que amam e não são correspondidos, os que se sentem rejeitados pelos pais.
Independente do que se pense do vocalista, uma coisa é inegável: os Smashing Pumpkins nos entregaram alguns dos melhores discos produzidos nas últimas décadas.
Ou seja, é um disco de fácil identificação e, por isso mesmo, o sucesso foi imediato, cumprindo as apostas altas feitas pela gravadora. Primeiro disco gravado pelos Smashing Pumpkins na Virgin Records, Siamese Dream tem produção de Butch Vig – cujo dedo de Midas tocou em grandes obras dessa época, dentre elas, o próprio Nevermind, do Nirvana. Mais tarde, Vig teria sua própria banda (até hoje, é o baterista do Garbage).
É um álbum contundente e suave simultaneamente, que reúne algumas das músicas mais doces e alegres compostas pela banda, mas sempre atravessadas por letras que revelam o processo de produção e o estado mental em que se encontravam os integrantes.
O guitarrista James Iha e a baixista D´Arcy tentavam trabalhar juntos após romper um relacionamento de anos. O baterista Jimmy Chamberlin vivenciava um vício em drogas que mais tarde o tiraria da banda (por essa razão, Siamese Dream foi gravado na Georgia, e não em Chicago, cidade em que os músicos moravam). Billy Corgan enfrentava uma depressão profunda, pensando constantemente na possibilidade de suicídio.
Por isso mesmo, Siamese Dream pode ser ouvido sob a perspectiva de um disco que fala de crises, e as dores inevitáveis que elas trazem. Contudo, é um álbum terno, que mostra que é possível encontrar luz e acolhimento quando tudo parece estar chegando ao fim. É esta a marca, por exemplo, de “Mayonaise”, música que foi eleita pelos leitores da revista Rolling Stone como a melhor já feita pela banda. Por meio de uma melodia doce, em um crescendo que culminará em uma grande explosão de guitarras, Billy Corgan fala diretamente aos corações dos desajustados, e encerra a música dizendo “eu só quero ser eu mesmo / e quando eu puder, eu serei”. É impossível ser adolescente e não se identificar.
Siamese Dream é um disco especial e que vai muito além dos hits – sendo os principais deles “Today” (talvez a mais alegre melodia dos Pumpkins, mas cuja letra – “eu quis mais do que a vida poderia um dia me conceder” – evidencia claramente o processo depressivo vivenciado por Corgan) e “Disarm” (descrita pelo vocalista como uma espécie de vingança aos pais pela infância triste que teve). Ele guarda pequenas pérolas como “Soma”, uma das mais devastadoras canções de amor perdido (com versos como “agora estou totalmente sozinho, como sempre me senti” e “então deixe a tristeza voltar, nisso você pode depender de mim”), e a onírica “Spaceboy”, dedicada ao irmão mais novo de Corgan, que tem necessidades especiais.
Pensado como uma narrativa coesa, com início, meio e fim, Siamese Dream mantém uma estética suja típica do grunge, cheio de guitarras distorcidas que se cruzam durante as canções (e que seria superada em 1995, em Mellon Collie) mas revela o perfeccionismo de seu criador – consta em várias entrevistas que Billy Corgan controlou todo o processo de produção, e chegou a gravar ele mesmo todos os instrumentos, com exceção da percussão.
Assim como ocorre nos outros discos da banda, Siamese Dream abre com um petardo rock (“Cherub Rock”, uma porrada sonora em que as guitarras quase “apagam” a voz de Billy), passa pela desilusão, pela esperança, pelo amor fraternal, pela perda amorosa, e se encerra numa doce canção de ninar, “Luna”, feita sob medida para se despedir de todos os fãs da banda, deixando-os com uma sensação quentinha.
Forte e terno, impactante e suave, Siamese Dream, não por acaso, costuma ser incluso nas listas de melhores álbuns de todos os tempos. Passados 30 anos do lançamento, o disco segue vivo, comovente, confortando o coração e a mente dos muitos desencaixados espalhados pelo mundo, mostrando que há sempre um lugar para onde voltar – mesmo que este lugar seja um disco.
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