A narrativa da ficção científica Ad Astra – Rumo às Estrelas, mais recente filme do cineasta norte-americano James Gray, atualmente em cartaz nos cinemas, vai na contramão da velocidade da maior parte das produções hollywoodianas atuais. É lento, contemplativo, pautado pelo silêncio, traço fundamental de seu protagonista, Roy McBride (Brad Pitt, brilhante), um astronauta muito competente e corajoso, mas, também, profundamente melancólico.
Apesar de ser uma superprodução, que conta com o brasileiro Rodrigo Teixeira entre seus produtores, Ad Astra não é um filme grandiloquente, pirotécnico. Pelo contrário: embora sua narrativa se expanda pelo espaço afora, a jornada que mais interessa ao filme é interna, existencial.
McBride, reconhecido por sua destreza e bravura, é escolhido para o que será seu maior desafio não (apenas) por suas habilidades. Chamado para resgatar uma espaçonave que se perdeu há anos nas proximidades de Saturno, e está emitindo descontroladamente uma energia que prejudica não só a Terra, mas todo o Sistema Solar, sua escalação tem menos a ver com sua destreza como piloto do que com sua origem familiar. Quem estaria na nave perdida há anos é seu pai, H. Clifford McBride (Tommy Lee Jones), dado como morto e considerado um herói nacional.
Mais uma vez Gray (de Era uma Vez em Nova York), um dos mais interessantes cineastas em atividade hoje no mundo, investiga o outro lado do sonho americano, a partir de um personagem à deriva, fora de lugar.
Roy tinha apenas 16 anos quando o pai desapareceu e a dor de sua perda não foi jamais superada. Guarda de Clifford uma imagem idealizada: lembra dele como um grande companheiro, com quem assistia a musicais em preto e branco. A escolha de também tornar-se astronauta, portanto, pode ter sido a forma de não apenas lidar com a ausência paterna, mas de manter-se para sempre ligado (ou preso) a ela.
A notícia de que Clifford pode estar vivo, e por trás dos ataques energéticos que ameaçam o planeta, tem efeito devastador sobre Roy, que enfrenta espartanamente a missão. Brad Pitt, em um desempenho contido, repleto de nuances, empresta imensa verdade ao personagem, em cujos olhos está todo o sofrimento que o personagem carrega desde o traumático desaparecimento do pai.
Mais uma vez Gray (de Era uma Vez em Nova York), um dos mais interessantes cineastas em atividade hoje no mundo, investiga o outro lado do sonho americano, a partir de um personagem à deriva, fora de lugar. À sombra de um pai, cuja imagem de herói se esfacela, Roy, a despeito de todos os seus méritos, é um poço de inseguranças e tem de enfrentar seus fantasmas, para tentar deles se livrar. Desconstruir o pai talvez seja o único caminho possível, numa opção escancaradamente psicanalítica do roteiro.
Essa viagem introspectiva se materializa na extraordinária fotografia de Hoyte Van Hoytema ( de Dunkirk), que alterna ambientes claustrofóbicos, assépticos, a vastas paisagens lunares e interplanetárias, numa representação quase alegórica dos estados de alma de Roy, que se desvela na tela como um universo.
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