No fim do ano passado, a editora Dame Blanche publicou Oceanïc, uma ficção científica escrita por Waldson Souza. A narrativa conta a história de dois jovens envolvidos em programa secreto governamental que se mostra muito mais sinistro do que o imaginado. O que complica as coisas é que eles não moram em qualquer cidade, mas Oceanïc, uma megalópole desenvolvida nas costas de uma tartaruga gigante que vaga pelo mar e impede qualquer fuga sem um plano mirabolante e calculado (sem contar que a criatura-tartaruga ainda tem períodos em que ela passa horas mergulhada nas águas).
Oceanïc é apenas uma das diversas comunidades construídas nas costas de criaturas gigantes, todas em movimento – tanto no mar quanto nos ares, de acordo com o que um dos personagens deixa entrever. De todas, Oceanïc é a maior e mais tecnológica das cidades, com direito a um mercado mais variado e menos dependente do que de suas vizinhas.
A concepção de um futuro em que as cidades precisaram se mudar para as costas de animais gigantes, já que o mundo terrestre se tornou aparentemente hostil e inapropriado para a vida, é bastante visual.
Soma-se à construção do romance o fato de que Waldson Souza é, além de escritor, um pesquisador. Ano passado, Waldson defendeu uma dissertação intitulada “Afrofuturismo: o futuro ancestral na literatura brasileira contemporânea”. Nessa pesquisa, ele estudou romances de Lu Ain-Zaila, Julio Pecly e Fábio Kabral para apresentar o que é o Afrofuturismo e como essa estética aparece nas páginas brasileiras nos dias de hoje. No entanto, não me parece que Oceanïc se encaixe exatamente na estética afrofuturista, como afirmado no site Mais QI Nerd. Pensando no que Fábio Kabral tem dito em seus estudos e palestras, o afrofuturismo está ligado não só ao protagonismo de autores e personagens negros em narrativas especulativas, mas também em uma agenda afrocentrada e na autonomia do personagem negro – muitas vezes visto na retomada de algum conhecimento ancestral silenciado, como questões filosóficas ou espirituais.
Apesar disso, os personagens do livro têm bastante da representatividade vista nos jovens autores de Ficção Científica e Fantasia (o que é interessante de se pensar levando em consideração que sua orientadora do mestrado foi Regina Dalcastagnè, professora responsável por uma das mais profundas pesquisas sobre representatividade na literatura brasileira, tanto de autores como de seus personagens). Em Oceanïc, há a presença de personagens de diversas etnias e orientações sexuais, apresentadas de forma a escancarar a ideia de um padrão branco e hétero.
Além disso, a construção do universo é muito interessante. A concepção de um futuro em que as cidades precisaram se mudar para as costas de animais gigantes, já que o mundo terrestre se tornou aparentemente hostil e inapropriado para a vida, é bastante visual em cenas descritivas e também instigante ao aparecer nos pequenos detalhes que outros personagens deixam entrever.
Porém, o livro peca em seu desenvolvimento do meio para o final. A maneira que os capítulos são estruturados e que apresentam diversas vozes narrativas/pontos de vista enriquece a narrativa, principalmente ao apostar em relatos menos cronológicos, mas a história perde força no fim do livro e a conclusão pode dar a entender que a obra é um prenuncio de um universo que tem muito mais a oferecer.