Disforia (2019), filme de horror gaúcho dirigido por Lucas Cassales, estreou nos cinemas brasileiros no dia 12 de março. Menos de uma semana depois, a pandemia do novo coronavírus interrompeu bruscamente o percurso da produção, quando as salas de exibição do país precisaram ser fechadas. Pouco mais de três meses depois, o filme chega aos serviços de video on-demand, no dia 26 de junho.
Estreia de Cassales no comando de um longa-metragem, Disforia conta a história de um psiquiatra (vivido por Rafael Sieg) que, após um período de afastamento por um trauma, retorna ao atendimento de pacientes. Seu primeiro caso é o de uma menina, que tem estranhos comportamentos perto do pai e da avó. O contato com a criança passa a despertar sentimentos e alucinações na cabeça do protagonista.
Em entrevista exclusiva à Escotilha, o diretor comenta o frustrante processo de lançamento do filme e a concepção da obra enquanto uma narrativa de horror. Leia abaixo:
Escotilha » De um dia para o outro, a pandemia pôs fim ao lançamento de Disforia?
Lucas Cassales » Foi meio maluco. Estávamos há alguns meses planejando a estreia. Uma semana antes, fizemos uma exibição em São Paulo e já se falava na chegada do vírus. A gente não tinha real noção de como isso iria nos impactar. Estreamos na quinta e na sexta anunciaram que iram fechar os cinemas. No domingo, não havia mais condições de divulgar o filme.
Imagino que deve ter sido difícil…
O mais frustrante é não ter a real noção de quanto teríamos de público. Estávamos indo bem em cinemas de shopping aqui em Porto Alegre. Disforia iria ser renovado para a segunda semana. No fim, nem conseguimos fechar a primeira semana.
Como você descreveria o Disforia?
Sempre digo que é um filme sobre culpa. É sobre esse personagem que tem cicatrizes que não fecharam ainda. São muitos traumas do passado. E aí tem a presença daquela criança que catalisa tudo isso e o leva a uma espiral da qual ele não volta nunca mais.
Senti que trata muito de luto também.
É um filme meio pesado mesmo. No meio do processo perdi minha mãe e o [ator] Rafael [Sieg] perdeu o pai. Não foi durante as filmagens, mas ao longo dos anos. A gente acabou também se aproximando mais por causa disso e isso foi parar no filme.
Talvez por isso seja tão angustiante…
A ideia sempre foi trabalhar as atmosferas e levar um pouco para o lado onírico do pesadelo do protagonista dentro do filme. É um horror psicológico. Esses dias estavam me perguntando se era pós-horror…
Tentei fugir de te perguntar isso. [risos]
É uma questão meio polêmica conceitualmente, mas acho que tem um pouco de diálogo com essa vertente, que não é tão nova. O termo [pós-horror] é novo, mas acho que serve para fugir de um filão que é estritamente comercial e mais ligado à jump scares e a um padrão mais próximo do comercialmente aceito. Disforia não tem sustos e é mais calcado em trazer essa tensão e essa angústia.
Acho a cena da banheira muito forte e impactante.
Essa é uma cena que está desde o início da escrita do roteiro com o [co-roteirista] Thiago Wodarski. A gente sempre teve ela em mente. Pensei muito em como mostrá-la. Questionei se deveria deixar as coisas mais subentendidas. Como o filme deixa muitas coisas subentendidas e aquele era um registro da passagem de discernidade daquele personagem, achei que ali era o momento de mostrar algo mais gráfico e visual.
Você considera Disforia como uma história sobrenatural?
Sim. É um pouco sobrenatural. A Sofia é um catalisador de emoções. Tinha versões do roteiro em que a situação dos irmãos era muito mais presente e paranormal.
Durante a concepção do filme, você tinha alguma outra obra que lhe servia como referência?
Eu estava fazendo mestrado bem na época em que a gente estava desenvolvendo Disforia. Pesquisei o Micheal Haneke, um diretor que sempre gostei muito. Estava estudando o mal estar de certas obras dele e estava muito inerte nessa sensação. Por mais que o filme não dialogue tão diretamente com os longas do Haneke, tem alguma coisa impregnada dele ali.
Você descreveria a si mesmo como um diretor que persegue o horror?
Acho que sim. Todos os curtas que dirigi desde a faculdade estão dentro do gênero.
Porto Alegre aparece de forma bastante reconhecível no filme. Você queria que a cidade fosse parte da atmosfera do filme?
Acho que foi uma vontade. Na faculdade, eu tinha muito uma vontade de renegar a cidade e o centro conhecido. Filmávamos muito em zonas mais periféricas e industriais menos conhecidas. Em Disforia havia um desejo de assumir a cidade como parte do filme e transformar ela em um elemento que ajudasse um pouco a catalisar essas angústias do protagonista.
Quais são seus próximos projetos?
Estou trabalhando como roteirista em uma série chamada Santo Inácio. Não é criação minha. É do Daniel Almeida, montador de Disforia. Também estou com alguns projetos para colocar em edital. Um deles com o Thiago Wodarski que se chama Cerimônia. É bem de gênero, na linha de Corra (2017) e Midsommar (2019). É sobre uma seita de interior gaúcho. Tenho outro projeto que se chama O Rei do Riso. Foge um pouco do que fazemos e é mais um drama cômico sobre um ex-ator de pegadinhas que volta para a cidade Natal para resolver alguns fantasmas do passado.