Guri ainda, caiu nas minhas mãos, não sei bem como, o livro Pippi Meialonga, clássico de literatura infantil escandinava, assinado pela escritora sueca Astrid Lindgren, publicado em 1945, ano do término da Segunda Guerra Mundial. Eu o descobri na década de 1970 e o devorei, assim como os outros dois volumes protagonizados pela mesma personagem, Pippi a Bordo e Pippi nos Mares do Sul.
Ainda alheio a questões de gênero e sem saber ao certo o que seria o tal do feminismo, do qual já se falava muito, meu encantamento por Pippi foi instantâneo. Mais ou menos com a minha idade à época, cabelos vermelhos, bem magrinha e o rosto coberto de sardas, a personagem era a independência em forma de gente e me inspirava. Vivia sozinha uma casa velha, a Vila Vilekula, numa cidadezinha do interior da Suécia. A mãe tinha morrido e o pai, contava ela, morava numa ilha nos Mares do Sul.
Os melhores amigos de Pippi eram um macaco e um cavalo, e, para não se sentir tão só, preferia dormir no terraço da casa. Sua vida, no entanto, começa a mudar quando conhece duas outras crianças, Tommy e Annika, de quem ela se afeiçoa e lhe possibilitam importantes experiências de sociabilidade, embora ela não tivesse planos de ficar na localidade: seu sonho sempre foi zarpar, para reencontrar o pai.
Mais ou menos naqueles tempos eu descobri outra garota, um pouco mais velha, mas também ruiva, sardenta e de pernas muito longas. Ela se chamava Rita Lee, por quem eu me apaixonei aos 10 anos, em 1975, quando ouvi pela primeira vez Fruto Proibido, um dos grandes álbuns da história do rock brasileiro, gravado com a banda Tutti Frutti. A capa do LP, em tons de rosa e lilás, trazia a ex-Mutante em uma encarnação glam rock tupiniquim, com os cabelos vermelhos e picotados à la David Bowie. Aos meus olhos, ela não era uma cantora ou uma pop star: nela, eu enxergava um tanto de minha “amiga” Pippi, mas também uma super-heroína, saída dos gibis e dos desenhos animados.
Mais ou menos naqueles tempos eu descobri outra garota, um pouco mais velha, mas também ruiva, sardenta e de pernas muito longas. Ela se chamava Rita Lee e eu me apaixonei por ela aos 10 anos, em 1975, quando ouvi pela primeira vez o álbum Fruto Proibido, um dos grandes álbuns da história do rock brasileiro, gravado com a banda Tutti Frutti.
Os hits libertários “Esse Tal de Roquenrou” (parceria com Paulo Coelho) e “Ovelha Negra”, além de “Agora Só Falta Você”, “Dançar para Não Dançar”, “Cartão Postal” e “Fruto Proibido”, não apenas embalaram minha infância, assim como “O Vira”, dos Secos & Molhados”, lançado dois anos antes. O pacote todo – disco, capa, canções – inocularam em mim o vírus do amor pela música pop, por Rita, que agora completa 50 anos de carreira, com direito a novo single, a dançante, eletrônica e poliglota “Change”, ao relançamento de sua discografia em CD e vinil pela Universal Music e a uma exposição comemorativa ao seu meio século de carreira no Museu da Imagem e do Som de São Paulo (MIS-SP), que mal posso esperar para visitar.
A minha descoberta de Rita Lee coincidiu com a dolorosa separação de meus pais e, também, com minha busca por refúgio na literatura infantojuvenil, em livros como os protagonizados por Pippi Meialonga, para mim uma espécie de versão menina da roqueira maior do Brasil. Minha relação com sua música, com o que ela representa, portanto, transcende a apreciação estética, ou o gostar ou não gostar. Meio amiga do peito, meio tia louca, meio bruxa, meio Santa Rita de Sampa, ela embalou minha transição para a adolescência e, por fim, à idade adulta, assim como minhas descobertas mais íntimas, com “Mania de Você”, “Lança Perfume”, “Baila Comigo”, “Saúde”, “Banho de Espuma”, “Doce Vampiro”, “Vírus do Amor”, “Pega Rapaz” e outras tantas.
Tesouro nacional, de São Paulo a mais completa tradução, Rita até hoje me inspira, como artista e pessoa. Tanto que fecho este texto-homenagem com um de meus versos favoritos de suas canções: “Comer um fruto que é proibido, você não acha irresistível?/ Nesse fruto está escondido o paraíso, o paraíso”.
ESCOTILHA PRECISA DE AJUDA
Que tal apoiar a Escotilha? Assine nosso financiamento coletivo. Você pode contribuir a partir de R$ 15,00 mensais. Se preferir, pode enviar uma contribuição avulsa por PIX. A chave é pix@escotilha.com.br. Toda contribuição, grande ou pequena, potencializa e ajuda a manter nosso jornalismo.