Immanuel Kant, considerado um dos principais filósofos da Era Moderna, já refletia sobre a experiência estética no século XVIII. O pensador percebeu que, na verdade, não era o papel da arte tocar os indivíduos, e sim o contrário. A latente subjetividade da experiência estética estaria relacionada à vivência e à sensibilidade de cada um. Seguindo o pensamento de Kant, seria por isso que alguns de nós são tocados profundamente por determinadas obras que a outros passam absolutamente despercebidas.
Foi sob sua influência que me encontrei com Ênio Rodrigues da Rosa e Idamaris Singulani. No entanto, logo que iniciei nossa entrevista acerca de diferentes métodos de educação artística, fui desafiada por Ênio. “Eu vou meter o bedelho para dizer o seguinte. Acho que a primeira reflexão que você deve fazer em cima da sua pergunta é: o que você concebe como arte?”, indagou.
Não pude não sorrir, porque esse era justamente o ponto que eu queria chegar: a subjetividade da experiência estética. Cego e diretor do IPC (Instituto Paranaense de Cegos), ele explicou seu posicionamento: “Uma coisa é ver uma obra de arte, outra é ter o entendimento dela”. Para o diretor administrativo do Instituto, o propósito, o contexto e as questões subjetivas são os pontos mais importantes de um produto artístico.
Cegos são capazes de pintar, atuar, sentir. Esse aprendizado, inclusive, influencia e auxilia em um melhor desenvolvimento cognitivo do cego – ainda mais quando a atividade artística é posta em sua condição de importante agente transformador e de inclusão social.
Por de trás de óculos escuros, Ênio me explica que a ideia comum da sociedade em relação à arte está muito ligada à visão.
Chego a esquecer que ele não pode me ver, enquanto fala, didaticamente, como se olhasse em meus olhos, que é vital perceber que pessoas cegas podem e devem participar de atividades artísticas – cegos são capazes de pintar, atuar, sentir.
Esse aprendizado, inclusive, influencia e auxilia em um melhor desenvolvimento cognitivo do cego – especialmente quando a atividade artística é posta em sua condição de importante agente transformador e de inclusão social.
Um museu deve, portanto, garantir as condições necessárias para que qualquer pessoa, cega ou não, possa criar uma ponte entre si mesma e uma obra artística.
No entanto, essa experiência estética, como proposta nos moldes de Kant, é de fato muito mais difícil para pessoas cegas sem o auxílio de terceiros ou de órgãos responsáveis por uma devida acessibilidade.
Mesmo diante do obstáculo visual, Ênio e Idamaris ressaltam, porém, que as pessoas confundem: não enxergar é diferente de não poder compreender. A fala, a atenção e a dedicação podem quebrar barreiras.
Ênio, por um momento, pediu minha mão. Virou minha palma para cima e dançou seu dedo indicador nela: “Nós brincamos no interior: essa ponta tá bebendo aqui e depois tá bebendo lá. Isso é um arco. E nesse arco tem várias tonalidades de cores.
Amanhã, se me perguntarem se conheço um arco-íris, vou dizer que sim, que ele é verdinho, amarelo, vermelho… E aí podem dizer: ué, mas você não é cego? E eu responderei que sim, sou, mas eu compreendo”.
O entendimento do que são as coisas, assim como do que é arte, não está limitado à visão. As esculturas, a paisagem sonora de um espaço, os relevos de uma obra, a sua história e a própria pintura manual abrangem campos das denominadas artes visuais que muitas vezes são esquecidos pelas pessoas, estreitadas na ilusão de que não ver significa não sentir.
Saliento que a arte, para aqueles que não lhe dão devida atenção, está limitada ao que se vê. O entendimento, a experiência estética e o sentimento proporcionado por uma obra têm a capacidade de permear, por toda a nossa vida, muito além disso.
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