Semana passada, comentei aqui sobre a estreia de Só toca top e o estranho movimento da Globo em tentar resgatar um tipo de programa que não faz tanto sentido hoje, em que a audiência televisiva é bastante pulverizada com a internet e ninguém mais depende da TV para ter acesso àquilo que é “top”. Pois bem: lógica semelhança também se repete na permanência na grade do Vídeo Show, um programa quase quarentão, mas que enfrenta, a duras penas, o desafio de continuar necessário.
Com o encerramento da Copa, o programa retornou, no dia 16, após uma reformulação que visava salvar a atração – mas o resultado, até o momento, foi desastroso. Durante a última década, uma “dança das cadeiras” nos apresentadores e no formato buscou testar todas as possibilidades para o Vídeo Show (a fase de mais sucesso, provavelmente, foi quando era capitaneado por Monica Iozzi e Otaviano Costa).
Agora, após várias mudanças, a nova configuração apostou em apresentadoras mulheres: Sophia Abrão, que já apresentava o programa, passa a dividir a bancada com as 3 ex-BBBS Vivian Amorim, Fernanda Keulla e Ana Clara Lima. Nestes primeiros momentos, elas parecem ainda pouco à vontade, tentando transparecer uma espontaneidade forçada (e que parecia natural na dinâmica entre Monica e Otaviano – que eram, aliás, humoristas, o que fazia toda a diferença). Além disso, por serem muito jovens, as três apresentadoras parecem ter pouco estofo para encarar artistas de peso (o quadro “Meu vídeo é um show” com o experiente ator Roberto Bonfim, por exemplo, foi constrangedor).
A TV tem assimilado bem estes cruzamentos com as lógicas da internet, mas é preciso ter em mente que ela tem sua lógica própria, baseada num tipo específico de talento para a comunicação.
Apenas passou-se uma semana da nova fase, e claramente a estratégia parece ter poucas chances de dar certo. Nesse ínterim, muitos críticos têm se perguntado das razões pelas quais a Globo insiste em manter o programa na grade, ainda que todas as últimas tentativas de torná-lo relevante (leia-se: obter bons níveis de audiência e gerar uma boa repercussão nas redes sociais) parecem revelar que a emissora não sabe o que fazer com o Vídeo Show.
Como destacou o jornalista Flavio Ricco em sua coluna, existe uma intenção evidente de tentar colar ao Vídeo Show uma audiência vinda das redes sociais, o que justificaria, por exemplo, a manutenção de Sophia Abrão na bancada, ainda que ela não tenha muito traquejo para a função (mas, por outro lado, a atriz/ apresentadora tem muitos seguidores em suas redes sociais). É a mesma lógica que traz ao programa as ex-BBBs, que se destacaram em suas edições por seu carisma e angariaram um considerável séquito de fãs na internet.
Entretanto, como bem pontua Flavio Ricco no mesmo texto, “a TV aberta (…) sempre se mostra receptiva à boa novidade, mas, conservadora que é, nunca recusa ou deixa de lado um feijão com arroz bem temperado”. Em outras palavras: a TV tem, sim, assimilado bem estes cruzamentos com as lógicas da internet, mas é preciso ter em mente que a TV tem sua lógica própria, baseada num tipo específico de talento para a comunicação – e o “reinado” de décadas das mesmas estrelas televisivas, como Gugu, Faustão, etc., se justifica exatamente por isso.
Mas creio ser injusto colocar a responsabilidade do “fracasso” do Vídeo Show apenas na falta de desenvoltura de suas apresentadoras. O problema é mais profundo, e diz respeito ao desgaste da própria proposta do Vídeo Show dentro de um veículo televisivo. Explico: programas como estes se fundamentam na constituição de uma espécie de lógica circular, pois são atrações televisivas que falam sobre a própria televisão. Eles se sustentam na ideia de que há um mundo delimitado pelas estrelas televisivas, no qual todos desejaríamos penetrar – ou pelo menos dar uma espiadinha. Por isso mesmo, eles pressupõem que haja um vasto público interessado em saber mais e viver esse mundo televisivo: a saber sobre bastidores de novela, spoilers de capítulos, revisitar o passado da TV, etc.
E aí talvez esteja justamente o enfraquecimento dessa fórmula: já há um bom tempo que a TV divide esse universo de fascínio com outras mídias. O público que continua vendo a TV na TV talvez não seja o mesmo que defender com unhas e dentes seus ídolos do BBB na internet – por isso mesmo, colocar tanto peso no carisma dessas estrelas de parcos talentos televisivos não parece ser uma boa jogada. Por outro lado, não parece mais haver tanta gente disposta a mergulhar neste universo televisivo – pelo menos não o suficiente para garantir bons níveis de audiência ao Vídeo Show.
Neste momento do texto, talvez o leitor esteja pensando: mas as outras emissoras não estão cheias de programas de fofoca sobre TV (como Fofocalizando, no SBT, e A tarde é sua, na RedeTV!) – e isso não seria uma prova que há, sim, público disposto a viver esse mundo? A diferença, no entanto, está em um ponto essencial: enquanto os concorrentes têm um viés meio bisbilhoteiro, futriqueiro, algo rançoso em relação à própria TV, o Vídeo Show tem a proposta de ser uma atração respeitosa, idealizadora do universo a que reflete. E num momento em que todo mundo reage aos meios de comunicação com um certo cinismo, a postura da “homenagem” não parece mais ter muito respaldo.