A nostalgia é um elemento chave da cultura. Em tempos de crises e incertezas, a falência de muitas de nossas esperanças coletivas, entrar em contato com algo que já conhecemos – e reconhecemos como nosso – traz uma sensação quentinha de conforto, de pertencimento. São vários os produtos na mídia que reforçam esse sentimento de passado, e muitas vezes ressignificam aquilo que, originalmente, era considerado ruim – como a moda dos shows das bandas que revisitam músicas bregas e as séries que trazem entretenimento ao homenagear outros formatos considerados menores, como Jane the Virgin, que brinca com os clichês das novelas mexicanas, e Wet Hot American Summer, que satiriza os filmes adolescentes dos anos 80.
Há ainda a nostalgia daquilo que ressuscita o que, em sua primeira versão, foi considerado um marco – e aqui, certamente, a responsabilidade é bem maior. É o que ocorre com o retorno do programa TV Mulher ao canal Viva, em uma temporada de dez episódios. Considerado pioneiro ao dar protagonismo à mulher e aos assuntos que lhe interessavam (já que, como esclarece Marília Gabriela, ela era vista até então como coadjuvante), o programa durou entre 1980 e 1986 na Rede Globo, por meio de um formato considerado de revista, com colunistas convidados que falavam dentro de quadros bem marcados, definidos pelas temáticas mais urgentes ao público (sexo, moda, comportamento, etc.)
Reestreado em 31 de maio, o novo TV Mulher enfrenta então o desafio de responder: em que medida aquele programa de 1980, configurado para a mulher da época, faz sentido para a mulher de 2016? Em 36 anos, quais foram as mudanças, sejam elas conquistas ou perdas, e como este programa tem que ser para continuar fazendo algum sentido? Já na abertura da edição, a apresentadora Marília Gabriela tenta esclarecer, em uma longa carta aberta a Elis Regina (a entrevistada do primeiro episódio de TV Mulher), que os avanços foram poucos. Há muita coisa a ser discutida.
Chegamos então a uma das dificuldades do formato, que diz respeito às permanências ao formato original. A abertura se dá por meio de um longo texto (dura cerca de sete minutos) de Marília pronunciado em sua bancada à Elis Regina. Espécie de homenagem e diálogo com a cantora, o texto é bom, comovente (Marília se emociona enquanto o fala, e a filha de Elis, Maria Rita, é mostrada enquanto o ouve nos bastidores).
O novo TV Mulher enfrenta então o desafio de responder: em que medida aquele programa de 1980, configurado para a mulher da época, faz sentido para a mulher de 2016?
O choro de Marília e Maria Rita – além como a presença do filho de Marília Gabriela, Teodoro Cochrane, como repórter – reforça o sentimento de sororidade, de fazer parte de um mesmo grupo, algo fundamentalmente atrelado aos discursos do feminismo. A entrevista com Maria Rita é o ápice do programa, com depoimentos extremamente comoventes da cantora, como quando ela descreve a revolta ao descobrir o motivo da morte da mãe e declara que interpreta o repertório de Elis como ninguém. Nostalgicamente, ela vem ao palco com a filha Alice, de três anos, enquanto a narrativa de TV Mulher relembra que a primeira entrevistada do programa foi Elis – e que ela concedeu a entrevista acompanhada de Maria Rita, então com três anos.
No entanto, há um certo incômodo sobre o ritmo e o certo anacronismo no formato. Curiosamente, num tempo em que tantos aguentam ver longos vídeos de youtubbers falando textos imensos sobre qualquer assunto, quando em uma espécie de bancada de telejornal, a longa fala de Marília Gabriela, no mesmo formato em que ela fazia no programa original, causa algum estranhamento – traz uma espécie de “coceira do dedo” da vontade de mudar o canal para ver se passa mais rápido.

A mesma sensação de anacronismo se repete quanto aos quadros dos convidados, cada um à espera em suas bancadas, as quais Marília visita e mantém um breve diálogo. Os convidados são de alto nível, reconhecidos já em outros veículos em razão da qualidade do seu trabalho. O renomado estilista Ronaldo Fraga faz uma coluna de moda, enquanto Ivan Martins, muito lembrado por sua coluna na revista Época, tece comentários sobre relacionamentos, sua área de expertise. As discussões trazidas por alguns dos colunistas ainda soam excessivamente didáticas – falhando ao enfrentar o grande dilema de se falar em televisão e tentar trazer um debate mais complexo.
A impressão que se dá é de uma certa falta de ritmo – ou melhor, se este ritmo sustentado pelo programa se ajustaria à atual espectadora. O formato original de revista parece mais pensado a uma mulher que teria a televisão ligada o tempo todo, e que o assistiria enquanto faz as outras tarefas da casa ou da vida profissional. Agora que os hábitos de assistência da TV são outros, talvez seja preciso se repensar. Em certa medida, o programa parece lento, em parte pelo ritmo, em parte pela desconexão com pautas mais urgentes, como apontou o crítico Maurício Stycer. Por exemplo, como o programa já estava previamente gravado, não houve qualquer menção ao episódio do estupro coletivo, amplamente debatido nas redes.
Me parece que a mulher que assistiria ao novo TV Mulher é de, alguma forma, a que se sente contemplada ao assistir ao Mais Você e ao Encontro com Fátima Bernardes, sendo que a que assistia ao programa original talvez estivesse hoje se articulando via internet, nas comunidades virtuais e suas páginas de discussão. Há uma certa desconexão entre meio e mensagem. Como Marília Gabriela e sua equipe enfrentarão esta questão é algo que poderá trazer pistas sobre como a televisão consegue se adaptar para permanecer relevante a um público que não depende mais dela.