Desde The Office, séries de comédia sobre ambientes de trabalho entraram na moda para valer. Podemos pensar aqui em vários “descendentes” do escritório gerido por Michael Scott, como Parks and Recreation e Superstore. Figurando como uma das mais originais dentro desse subgênero, está uma série latina, pouco conhecida, e que foi inclusa no catálogo da Netflix: a argentina Divisão Palermo.
A premissa é bem provocativa. Em Buenos Aires, a polícia bola uma forma de melhorar a sua (má) reputação entre a população, e resolve criar uma divisão dentro da guarda municipal composta apenas com minorias sociais. A ideia é justamente mirar no politicamente correto (sem que haja qualquer intenção real de inclusão, claro) e montar um time marcado pela diversidade.
De maneira bastante engraçada, a chamada Divisón Palermo acaba centralizando um grupo em que há um cego, um imigrante, uma pessoa com nanismo, um idoso, uma mulher cadeirante e outra transexual. Quem protagoniza esse time é um sujeito meio loser, que cai ali de para-quedas, chamado Felipe (papel de Santiago Korovsky, que, além de ator, é o criador, diretor e roteirista da série). Apesar de ser um tanto abobado, ele acaba se encaixando no grupo por ser… judeu.
A tônica de Divisão Palermo é fazer uma crítica pesada à polícia da Argentina, apresentada aqui como claramente corrupta, preguiçosa e incompetente.
O que sai a partir dessa proposta é uma metralhadora que dispara sem parar em direção ao próprio “bom-mocismo” forçado do espectador. Os burocratas e os políticos que tiveram a ideia de criar essa guarda obviamente não creem que esse grupo seja capaz de fazer um bom trabalho; enquanto isso, a população local se comove ao considerá-los como “seres de luz” (mas incompetentes).
A grande sacada de Santiago Korovsky, no entanto, é que ele cria uma história em que os envolvidos têm lugar de fala. Boa parte dos atores – como a atriz trans Valeria Ricciardi, o ator cego Facundo Bogarín, e Hernán Cuevas, que tem nanismo – levam elementos de suas vidas para os papéis, tornando legítimo o deboche presente em seus personagens. Em certo momento, por exemplo, o guarda municipal vivido por Hernán Cuevas é confundido com Peter Dinklage, um dos pouquíssimos artistas com nanismo que possuem projeção.
‘Divisão Palermo’: uma crítica escrachada à polícia
A tônica de Divisão Palermo, sem dúvida, é fazer uma crítica pesada à polícia da Argentina, apresentada aqui como claramente corrupta, preguiçosa e incompetente. A chegada de uma nova “tropa” serve para deixar claro que manter a aparência é mais importante que a eficiência, sendo essa uma iniciativa do próprio governo (e a sede da polícia é tão detonada que, toda vez que a secretária de segurança vai entrar em uma videochamada com a equipe, dá tudo errado).
Mas a sacada de Santiago Korovsky – que descreveu a série como a realização de um sonho – é trazer uma sensação de candura o tempo todo, mesmo que boa parte dos personagens sejam incompetentes em suas funções. Há também um elemento da narrativa policial que aparece quando o grupo descobre, totalmente por acaso, um crime. Mas isso acaba sendo a parte mais fraca dessa comédia.
A força, por outro lado, está no texto de Korovsky, cheio de boas sacadas e pequenos chistes. Preste atenção, por exemplo, na criatividade da cena que abre a série, quando Felipe e sua namorada estão em uma loja escolhendo um colchão. Mas claro que nada é o que parece.
Tudo isso faz com que se consolide personagens sólidos com quem podemos nos apegar, o que é, por fim, uma característica das séries de comédia realmente boas – qualquer pessoa que viu The Office sabe descrever com clareza quem é Dwight Schrute e Michael Scott, por exemplo. Assim, os espectadores que encararem Divisão Palermo certamente vão se apegar à palermice de Felipe ou à inteligência emocional de Sofia (Pilar Gamboa), uma cadeirante que denuncia o tempo todo o capacitismo com que é tratada.
Por fim, preste atenção no aproveitamento de uma música brasileira que é utilizada em um momento chave na série, com muita sagacidade. Acaba sendo um presentinho a mais para nós, os tantos brasileiros que vão se deliciar com os membros da Divisão Palermo.
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