É prática relativamente comum, em especial às séries de humor contemporâneas, o uso de histórias de amor entre personagens como recurso de geração de empatia. Você, instintivamente, passa a acompanhar a série, também, em uma torcida pelo potencial casal. Até aí nada demais, programas que marcaram época na história recente da TV viveram esta realidade, de The Office a Parks and Recreation.
Por que trato disso? Bem, a quinta temporada de Superstore chegou ao fim e com ela ficou uma lição muito importante. Criada por Justin Spitzer, roteirista e produtor de The Office, a série vinha sofrendo com o engessamento do roteiro causado pela tensão romântica de seus protagonistas, Amy (America Ferrera) e Jonah (Ben Feldman).
Não levanto a tese de que um programa de humor não consiga ir adiante arrastando uma trama amorosa, visto a longevidade de The Big Bang Theory, por exemplo, que agonizou em sua reta final de existência. Mas se torna muito mais difícil fazer rir quando precisa pensar em um par (ou pares) romântico. A solução de Spitzer para Superstore? Tirar a relação de Amy e Jonah do centro da série.
A quinta temporada do programa, sucesso praticamente instantâneo da NBC desde seu lançamento, fez o que melhor sabe: riu de si mesma. Enquanto o quarto ano encerrou com um desfecho notadamente crítico à política de imigração do governo Trump, este último optou por fazer rir sem inserir lenha neste momento tão acirrado da realidade norte-americana.
Superstore ainda está longe da grande primeira temporada, mas certamente também se afastou das impressões não tão boas deixadas pelo segundo e terceiro anos do programa.
Claro que não faltaram as tradicionais críticas às leis trabalhistas dos Estados Unidos, por exemplo, mas Jonah, principal responsável por combater as injustiças na série, passou a ganhar pinceladas propositadamente mais caricatas. Enquanto isso, Garret (Colton Dunn), Dina (Lauren Ash) e, especialmente, Sandra (Kaliko Kauahi) ganharam minutos e parágrafos preciosos.
A complexidade dos personagens, não tão simples de ser atingida em séries de humor (acredito que apenas Seinfeld tenha conseguido isso com maestria), dá a Superstore matéria-prima muito rica para elaborar episódios hilariantes, como foi, por exemplo, toda a sequência de capítulos sobre o casamento de Sandra.
Spitzer e sua equipe de roteiristas deram um show de como colocar coadjuvantes em destaque e, concomitantemente, uma grande aula desses atores sobre como tirar o máximo de um roteiro. Sentencio aqui: será um crime se Kaliko não receber uma nomeação em coadjuvante nas principais premiações da TV (obviamente, caso venham a ocorrer).
Outro acerto desta quinta temporada foi retomar a abordagem em Gleen (Mark McKinney) a partir de sua fervorosa fé. Seu “excesso de crença” ofereceu boa risadas, de modo especial na reta final do programa – o episódio em que tenta fazer Sandra adotar um jovem rapaz é das melhores coisas produzidas no humor neste 2020.
Por fim, mas não menos importante, a terceira divisão do elenco, aqueles responsáveis por aparições esporádicas como alívio cômico, estiveram no auge. Quem está habituado com The Office ou mesmo Community pode ter uma ideia bem concebida de como um bom trabalho com essa parcela do rol de atores é capaz de elevar o nível de humor de um show.
Superstore ainda está longe da grande primeira temporada, mas certamente também se afastou das impressões não tão boas deixadas pelo segundo e terceiro anos do programa. Resta saber se Spitzer pretende trabalhar a próxima fase do seriado a partir do suspense colocado no último episódio (que omitirei aqui para não dar spoilers) ou se expandirá o bom roteiro focado majoritariamente no humor. Que ele tenha este 2020 em mente.