Rodolfo Stancki já havia comentado nesta mesma Escotilha sobre Corrente do Mal em um artigo no final do mês passado (leia aqui). O filme de horror independente havia chamado a atenção da crítica e do público no exterior e vinha a passos largos caminhando para o Brasil. Chegou ontem, quinta-feira, trazendo na bagagem toda uma expectativa acerca de sua trama.
Ouvir a premissa do filme é de fazer torcer o nariz. Uma entidade maligna que é transmitida sexualmente e pode assumir a forma de qualquer pessoa. Centrada na personagem Jay (interpretada por Maika Monroe), uma adolescente que passa a ser perseguida por essa entidade, a trama se desenvolve na luta dela pela sobrevivência, fazendo a única coisa possível: passando a maldição adiante.
Acontece que isso não é algo tão simples, posto que, se um dos homens a quem ela transmitir essa maldição morrer sem conseguir passá-la adiante, esta torna a persegui-la.
Apesar de premissa muito parecida com filmes trash, Corrente do Mal impressiona logo na sequência inicial. O diretor e roteirista David Robert Mitchell tenciona questões como o feminismo e a moral cristã utilizando o sexo como uma metáfora e o horror como estratégia.
O interessante é que o diretor não faz isso jogando conceitos aleatoriamente na tela, pelo contrário. Mitchell estrutura com calma e muita seriedade seu roteiro, nos colocando como parte de seu filme ao acompanharmos o olhar de Jay. Os enquadramentos sempre muito próximos ao rosto da protagonista, meio ao lado, como se fossemos parte da visão dela, observando passivamente o que se passa.
O diretor e roteirista David Robert Mitchell tenciona questões como o feminismo e a moral cristã utilizando o sexo como uma metáfora e o horror como estratégia.
Mais do que necessariamente sustos, Corrente do Mal coloca o espectador em uma redoma de tensão, angústia e paranoia, construindo uma espécie de panóptico através do olhar vigilante de muitos homens para com Jay. A protagonista sente-se constantemente perseguida, e acabamos nos sentindo da mesma forma.
Não faltam momentos em que somos postos diante de cenas que insinuam estupro, prostituição e sexo sem nenhum interesse, que é o que passa a cercar a existência da protagonista. Entretanto, a naturalidade com que o roteiro apresenta estas situações mostra que o cerne da questão não é o ato sexual em si, já que nada é erotizado.
Vale ressaltar também que, ao utilizar jovens sem recorrer à sensualidade (e fugindo do universo escolar) e criar uma lacuna de representatividade de adultos, Corrente do Mal sutilmente critica a própria sociedade norte-americana, a família e seus pilares, construindo (através da ausência) lares ruídos e jovens melancólicos e entediados, remetendo à construção que Jeffrey Eugenides faz em seu livro As Virgens Suicidas.
Talvez isso corrobore com o horror, já que torna-se também psicológico, uma tensão que desequilibra o emocional dos personagens e, consequentemente, chega até nós via paranoia.
Não há exagero em dizer que há tempos não assistíamos cinema de horror que fizesse uso inteligente dos enquadramentos e da iluminação. Mitchell dá show na mise-en-scène, e mostra que o terror é mais que possível em locais abertos. Junte a isso uma estonteante direção de arte e fotografia e a atuação impactante de Maika Monroe e voilà, temos um grande filme.
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