Em uma entrevista no fim dos anos noventa, John Carpenter descreveu Halloween: A Noite do Terror (1978) como um filme de horror teórico. Na perspectiva do cineasta, a obra seria uma releitura das clássicas histórias de mansões mal assombradas. Michael Myers, com seu rosto sempre coberto por uma máscara branca, seria um fantasma que espreita entre os cômodos para encontrar suas vítimas.
O tom consciente com que o diretor descreve o projeto que se tornou o maior sucesso financeiro de sua carreira é bastante impressionante. Especialmente diante do número de cópias inspiradas pela produção, que basicamente deu início ao subgênero slasher movie, caracterizado pela presença de um assassino que persegue jovens em algum ambiente relacionado ao universo de subúrbios norte-americanos.
Como Halloween, A Corrente do Mal parece uma releitura das histórias clássicas de fantasmas, pois a ameaça está sempre à espreita nos cômodos claustrofóbicos da casa assombrada.
Ainda é cedo para afirmar isso com precisão, mas Carpenter pode ter encontrado um sucessor à altura em David Robert Mitchell. Desde meados do ano passado, o jovem cineasta tem arrancado elogios da crítica e do público com o horror independente A Corrente do Mal (It Follows, 2014). O título vem sendo comparado com Halloween e desponta como uma das grandes surpresas do gênero, que vinha sendo sucateado pela repetição de fórmulas nos últimos anos. Está certo que a produção se inspira demasiadamente no clássico de 1978 e em ideias de sobrenatural usada por cineastas como George Romero e Wes Craven. Mesmo assim, o resultado é bem vindo.
A trama é centrada em Jay (Maika Monroe), uma adolescente que passa a ser perseguida por uma entidade sobrenatural depois de transar com o cara com quem saía. A “coisa”, como é chamada pelos personagens, é transmitida por meio do sexo e pode assumir a forma de qualquer pessoa. Para não morrer, é preciso passar a maldição para frente.
Como no filme de Carpenter, o conceito de casa assombrada também é reinventado. O fantasma, amórfico, esgueira pelos cômodos claustrofóbicos em busca de suas vítimas. Assim como Michael Myers, a “coisa” caminha com andar contínuo. A falta de uma identidade da criatura e o olhar sem expressão da figura humana que incorpora funcionam como uma releitura do lençol branco que esconde os horrores de uma entidade invisível.
A trilha sonora, a ambientação e o final aberto de A Corrente do Mal também parecem emular o cinema do diretor de Fuga de Nova York (1981). O prólogo, que serve para mostrar a ameaça da maldição, chega a colocar a câmera no ponto de vista da “coisa” ao perseguir uma adolescente no meio das ruas de um subúrbio, estratégia também utilizada em Halloween. Outra proximidade é que, em ambas as obras, há economia nas cenas com sangue, o que nem de longe as torna menos assustadoras.
Alguns críticos vêm associando a maldição do filme Mitchell a um discurso crítico sobre as doenças sexualmente transmissíveis ou a falta de intimidade das novas gerações. Publicamente, o diretor não negou nenhuma dessas interpretações, mas afirmou que não pensou nelas quando escreveu. Sua ideia inicial, inspirado pelos filmes de horror que gostava quando mais novo, era dar vida a um pesadelo que teve anos antes, quando foi assombrado por uma criatura que mudava de rosto.