O longa-metragem Meu Pai, estreia do diretor teatral francês Florian Zeller, é um filme sobre a finitude. Não exatamente sobre a morte, mas a respeito da deterioração do corpo físico, o envelhecer, e o impacto desse processo sobre os afetos familiares. A produção está na disputa do Oscar em seis categorias: melhor filme, roteiro adaptado, ator, atriz coadjuvante, edição e direção de arte.
O belíssimo roteiro, assinado por Zeller e pelo dramaturgo Christopher Hampton (vencedor do Oscar por Ligações Perigosas), gira em torno da relação entre Anthony e sua filha Anne, vividos, respectivamente, por Anthony Hopkins e Olivia Colman.
O ponto de vista da narrativa é o de Anthony, um engenheiro viúvo na casa dos 80 anos, amante da música erudita, que aos poucos sucumbe à doença de Alzheimer. Por vermos através de seus olhos, e de sua percepção da realidade, há um tanto de confusão intencional no fluxo das ações do filme. Por vezes, se vê o que de fato está ocorrendo, em outros momentos o que o personagem acredita estar acontecendo. A enfermidade causa embaralhos de tempos, nomes, acontecimentos e rostos. Nós, espectadores, como ele, não sabemos quem é quem.
Percebe-se que por trás da direção e do roteiro, está um artista do teatro. Embora não seja uma peça filmada, Meu Pai, baseado numa história original de Zeller, além de valorizar o extraordinário trabalho do elenco e o jogo de cena entre os atores, tira gigantesca força das falas, dos diálogos afiados, dolorosos.
Olivia Colman, vencedora do Oscar por A Favorita e novamente indicada ao prêmio, na categoria de coadjuvante, traz esse dilema nos olhos, sempre tensos, entristecidos, e na linguagem corporal.
Hopkins, que ano passado foi indicado ao Oscar de coadjuvante por seu desempenho como o papa Bento XVI, em Dois Papas, volta a disputar o prêmio na categoria de melhor ator, que venceu há 30 anos pelo clássico O Silêncio dos Inocentes. O seu trabalho em Meu Pai é extraordinário. Seu Anthony, a despeito de estar se dissolvendo diante das câmeras, é um personagem complexo, multidimensional.
O foco do filme é a relação atribulada do protagonista com sua filha, Anne. Em um primeiro momento, ele vive só no seu apartamento em Londres. Quando seu estado mental se agrava, ele vai morar com a filha. Essa maior proximidade o torna mais dependente, o que acaba gerando conflitos. Veem à tona traumas e dores do passado.
Anne se vê dividida entre a responsabilidade que sente pelo pai e a ânsia de viver a própria vida, e não atrelá-la à existência paterna. Olivia Colman, vencedora do Oscar por A Favorita e novamente indicada ao prêmio, na categoria de coadjuvante, traz esse dilema nos olhos, sempre tensos, entristecidos, e na linguagem corporal. O encontro cênico entre ela e Hopkins é, sem exagero, antológico.
Como há poucas cenas externas, a direção de arte, nomeada ao Oscar, é fundamental no filme. Os apartamentos de Anthony e Anne, como são vistos por meio do olhar confuso de Anthony, se confundem e se alternam. Em comum os dois espaços eles têm a escolha do azul, que em inglês pode significar tristeza, mas também é a tonalidade dos olhos do protagonista. É o tom sutilmente expressionista desses cenários, de quartos, corredores, portas e janelas que se abrem e fecham, como a mente do personagem.
E, sim, Meu Pai é um filme muito, muito triste, porém também bastante corajoso e sensível ao mostrar de que forma uma doença, como o Alzheimer, não é individual: atinge todos que cercam e amam o paciente, que também podem adoecer. Fala de escolhas diante da finitude, de laços de família
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