O pesquisador Nelson Traquina já dizia que o que vemos nos noticiários televisivos nada mais é do que apenas sombras do teatro político. Apenas dois anos após o processo de afastamento da ex-presidente Dilma Rousseff, o filme de Maria Augusta Ramos, O Processo, estreia nos cinemas de circuito comercial de todo o país, acompanhado de um grande número de premiações, dentre eles o prêmio do júri de melhor longa-metragem internacional no DocumentaMadrid, na Espanha.
Não há nada de necessariamente novo no documentário de Maria. Pelo contrário: as imagens do processo de votação, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado, são arquivos que o brasileiro teve acesso nos principais noticiários do país. O Processo, no entanto, trata de resgatar essas imagens e, fazendo isso, as coloca como documentos históricos de um momento muito peculiar da política brasileira.
Todavia, se essas imagens eram tratadas com uma grande comoção no primeiro momento em que foram transmitidas a milhões de brasileiros, aqui elas se colocam como a apresentação de um argumento, do fato pelo fato. Na corrida pela captura de entrevistas com figurões conhecidos da política nacional, desde o deputado Eduardo Bolsonaro ao deputado Jean Wyllys, a câmera também consegue captar os bastidores de jornalistas e demais profissionais operacionais.
O Processo consegue instigar um sentimento incomum ao espectador. Por reanalisar o conteúdo imagético em um período de tempo relativamente curto desde quando tudo aconteceu, cria-se uma espécie de torcida no campo de batalha da polarização política. Mais adiante, Maria Augusta então apresenta aquilo que a fez realmente realizar o documentário: a incessante e kafkiana burocracia do processo de instauração do impeachment, com exaustivas sessões e incansáveis discursos de ambos os lados.
O Processo que traz nome ao documentário não se refere ao impeachment, e sim à batalha contra o establishment conservador.
Ramos, apesar de tudo, posiciona um lado a sua narrativa. Determinada a organizar um compilado de momentos memoráveis do acontecimento, chega a coletar imagens de bastidores da então advogada e professora da USP, Janaína Paschoal, relatando ser contra o aborto para um exaltado jornalista de Londrina que a entrevista. Por outro lado, coloca na senadora Gleisi Hoffmann boa parte da contrapartida da protagonização da narrativa: nela, enxergamos que o processo que deu nome ao documentário não se referia necessariamente ao processo de liberação da ex-presidente, mas sim à batalha contra o establishment da corrupção organizada e da tomada de um projeto de governo anti-democrático e conservador no país.
Nesse caminhar, O Processo acaba sendo um documentário lento e pouco ritmado, mas é esta justamente a proposição da realizadora ao compilar esse montante de imagens com um grande potencial histórico: a burocracia em torno de conluios políticos conservadores da política brasileira na tomada de poder. Afinal, o que seria política a não ser a conciliação e a manutenção do poder, seja ele de maneira democrática ou anti-democrática, como demonstra o documentário?
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