Quando discutimos a história do horror no cinema, geralmente recorremos aos movimentos que caracterizaram o gênero ao longo dos últimos 120 anos. O Expressionismo Alemão, os filmes góticos da Era de Ouro da Universal Studios e a ficção científica da década de 1950 são alguns dos tipos de segmentação usados para debater a produção e consumo da trajetória das narrativas de medo.
Para Nöel Carroll – referência constante aqui na coluna -, essas ondas de títulos semelhantes na estética, no tema ou no contexto de realização são chamadas de ciclos. Como nenhum outro gênero cinematográfico, o horror se consolidou por décadas em uma variação cíclica. “Às vezes, comandando um grande número de seguidores e, em outros tempos, com um público leal, porém pequeno”, diz o autor em A Filosofia do Horror ou Paradoxos do Coração.
A polêmica ideia de que estamos passando por um momento em que várias produções independentes buscam subverter as convenções da narrativa de medo num movimento nomeado como pós-horror pode ser caracterizado como um ciclo de produção. Há poucos anos, a estética do found footage predominou nos filmes americanos. Na primeira metade da década passada, Hollywood parecia disposta a refilmar todos as histórias japonesas de fantasmas. Na virada do milênio, a moda eram os slashers adolescentes inspirados por Pânico (1996).
Nenhum filme inventa a roda sozinho. Ele sempre estabelece diálogos com o que veio antes – nem que seja na forma de ruptura.
De um modo geral, discutir a história do horror por meio de ciclos pode ser didática, mas excessivamente simplista. Isso porque essa maneira de entender o gênero exclui os pontos fora da curva e pode dar a falsa noção de que certas escolhas estéticas deixam de existir quando os filmes acabam. Hereditário (2018), Ao Cair da Noite (2017) e A Bruxa (2016) podem fazer bastante barulho ao desconstruir certas imagens e truques do horror, mas os clichês sempre são reciclados e reinventados em produções como Um Lugar Silencioso (2018), A Morte Te Dá Parabéns (2017) e O Homem das Trevas (2016).
O pesquisador Carlos Primati, em seu curso sobre a história do cinema de horror, discute isso de forma bastante eloquente quando afirma que a estreia de Psicose (1960), de Alfred Hitchcock, deu início ao horror moderno, embora filmes com estéticas semelhantes já houvessem sido produzidos anteriormente. Sangue de Pantera (1942), de Jacques Tourneur, é um exemplo de uma produção que tem escolhas estéticas e narrativas que não dialogam diretamente com o tipo de filme de monstro produzido na década de 1940 nos Estados Unidos.
Ao olharmos para os ciclos de produções de horror em outros países, também podemos cometer grandes disparates. É fácil pensar o giallo como movimento fechado na Itália, assim como os filmes de canibais e de zumbis. O problema é quando restringimos o cinema de horror italiano a esses movimentos e deixamos o restante de fora.
Toda escrita da história é feita de escolhas e há vantagens em se produzir uma história do horror cinematográfico a partir dos ciclos. O público, no entanto, precisa estar ciente dessas opções e de que as narrativas históricas não dão conta da pluralidade do gênero.
Do ponto de vista do jornalismo cultural, compreender as produções a partir de um contexto que leve em conta outros lançamentos semelhantes pode ajudar a evitar gafes. Frequentemente vemos repórteres noticiando estreias que estão “inaugurando” um subgênero no país (ou mais grave ainda: o próprio gênero). Nenhum filme inventa a roda sozinho. Ele sempre estabelece diálogos com o que veio antes – nem que seja na forma de ruptura.