Em abril de 1934, o jornal britânico Daily Mail estampou em uma de suas páginas a fotografia de uma suposta criatura na água que seria o “O Monstro do Lago Ness”. A imagem, em preto e branco, apresentava apenas contornos do que poderia ser o animal fantástico. Detalhes da aparência estavam escondidos por trás de sombras.
Na ocasião, a cena foi creditada como a “fotografia do cirurgião”, por ter sido originalmente oferecida ao Daily Mail por um ginecologista de Londres chamado Robert Wilson. Ainda que não mostrasse muita coisa, a imagem do monstro do Lago Ness ganhou o mundo e se tornou parte do folclore popular da Escócia. Desde então, dezenas de outras “evidências” mal iluminadas e sem foco foram feitas para tentar comprovar a existência do animal.
Embora tenha circulado por décadas como se fosse autêntica, a “fotografia do cirurgião” seria confirmada como uma enorme farsa em 1994. O tal monstro era apenas um submarino de brinquedo, amarrado a uma haste de madeira. De acordo com o pesquisador David Watters, a verdade foi revelada por colegas de Wilson, que, antes disso, também havia negado publicamente a autenticidade da imagem. Mesmo assim, a imagem frequentemente é reproduzida toda vez que citam a criatura na mídia.
As imagens que povoam o fotojornalismo frequentemente são entendidas como documentos daquilo que chamamos de ‘mundo real’.
O caso é um exemplo de como imagens inteiramente manipuladas podem ser tratadas como verdadeiras, graças à maneira como circulam em nossa sociedade. A suposta “evidência”, ao ser publicada em um jornal – dispositivo socialmente reconhecido por apresentar narrativas do cotidiano –, atribuiu um sentido de veracidade a um elemento fantástico.
Uma mídia considerada um espaço de circulação de verdades se torna um antro de bestialidades e histórias de horror. O monstro do Lago Ness é apenas um dos exemplos de como os jornais materializam experiências da ficção e da fantasia no nosso cotidiano. Avistamentos de óvnis, espíritos e até de lobisomens (leia mais) fazem parte do rotina de muitas publicações de notícias, especialmente agora, que a monetização do conteúdo também depende de cliques.
Na ficção narrativa, um leitor ou espectador facilmente identifica quando esses elementos são parte da mente de um escritor. Isso porque não há pretensão de que o conteúdo seja trabalhado como verdade. As imagens que povoam o fotojornalismo, por outro lado, frequentemente são entendidas como documentos daquilo que chamamos de “mundo real”.
É o caso da “fotografia do cirurgião”, que registrou o monstro do Lago Ness. Publicada em um jornal, a imagem fotográfica – concebida para captar o real – consegue atribuir realidade à fantasia. E isso a torna mais assustadora do que qualquer representação da criatura no cinema, mesmo quando afirmam que ela é apenas uma farsa.