Em “Seu Mundo Particular”, último episódio da primeira temporada de Além da Imaginação, um escritor (Keenan Wynn) demonstra para a esposa que pode criar diferentes realidades a partir de uma máquina de escrever. Uma página em que descreve um personagem é capaz de dar vida a um ser real. Para provar os poderes mágicos, o autor mostra à companheira o papel em que ela foi inventada. Descrente, a moça queima o documento e, imediatamente, desaparece.
Entre a tela e o espectador e entre a página e o leitor existem ambientes de imersão que, às vezes, se tornam um tipo de realidade para nós.
Ao fim do capitulo, o criador do seriado Rod Serling aparece em cena para comentar o desfecho. Dividir espaço na tela com as histórias que cria não é um hábito comum para o produtor, que costuma apenas narrar a trama. Em sua fala, ele nega que o escritor vivido por Wynn seja possível. “É apenas fruto da ficção”, diz. Indignado com a atitude do criador, o personagem mostra a outra página, com as iniciais R.S. O papel é atirado no fogo e, instantaneamente, Serling some do quadro.
A brincadeira metalinguística parece um interessante ponto de partida para retomarmos o conceito de zona crepuscular (twilight zone, no original). Há algum tempo, discuti a possibilidade de que o nome do programa norte-americano, clássico de ficção científica e de horror, fosse uma referência a um espaço abstrato, mas efetivo, de interação do real e do fantástico. É um local em que o público experimenta o impossível, onde entra em contato com monstros, fantasmas e alienígenas.
De uma certa maneira, penso que a zona crepuscular é um tipo de experiência proporcionada naturalmente pela ficção. Entre a tela e o espectador e entre a página e o leitor existem ambientes de imersão que, às vezes, se tornam um tipo de realidade para nós. Por isso, temos medo, rimos e nos constrangemos de certas situações das narrativas fantásticas, mesmo quando interrompemos o contato com certas obras.
Essa interação é sempre subjetiva. Por isso, pode ser afetada pela maneira como as pessoas se relacionam com o mundo. Um filme como O Exorcista (1974), de William Friedkin, pode ser mais grave como discurso do real para um cristão fervoroso do que para um ateu, por exemplo. O envolvimento com a obra se dá em um local abstrato, num canto íntimo do imaginário.
Em algumas circunstâncias, porém, a experiência da zona crepuscular escapa desse espaço e o fantástico se torna uma dimensão do que chamamos de realidade. São as aparições de extraterrestres nos jornais (leia mais), os espíritos que assombram o Edifício Joelma (leia mais) e os demônios que nascem no ABC Paulista (leia mais). E o mesmo pode ocorrer na ficção.
A aparição de Serling, como personagem de si mesmo, enfrentando a ira de sua criação no episódio citado é um exemplo disso. A consciência de que Além da Imaginação é apenas um seriado fica embaralhada na narrativa. Como tudo ocorre dentro da tela, ninguém acredita que Serling efetivamente desapareceu. Para o público, a trama se contém dentro do dispositivo. Agora, se as luzes repentinamente se apagam logo depois que você assistiu ao primeiro Atividade Paranormal (2007), de Oren Peli, sozinho e no meio da madrugada, não será difícil que ainda se sinta dentro da zona crepuscular.
* “Seu Mundo Particular” tem roteiro de Richard Matheson. Queria comentar isso, mas não achei lugar no texto.