Game of Thrones, adaptação da série literária As Crônicas de Gelo e Fogo de George R. R. Martin, se tornou um ícone imediato na história da televisão pela maneira como ambientava personagens realistas em um ambiente habitado por dragões e magia. Apesar de ter muitas qualidades, o seriado ganhou fama pela violência e pelas cenas de nudez, estratégia que estava longe de ser inédita no gênero.
No início da década de 1980, Conan, o Bárbaro (1982), Excalibur (1981) e O Príncipe Guerreiro (1982) apresentavam semelhanças ao programa da HBO. Nessa mesma época, até os estúdios Walt Disney arriscaram uma produção fantástica e adulta em O Dragão e o Feiticeiro (The Dragonslayer, 1981), dirigida por Matthew Robbins.
Bancado em parceria com a Paramount, em um esquema semelhante ao de Popeye (1980), esse é um dos mais estranhos filmes da casa do Mickey. A trama é uma história de monstro, em que um feudo medieval sacrifica virgens para manter um dragão calmo dentro de uma caverna. As vítimas são escolhidas por sorteio, comandado por um rei de moral duvidosa.
Fruto de uma época que a Disney buscava atingir o público adulto, O Dragão e o Feiticeiro tem cenas com sangue, sacrifícios de virgens e um breve momento de nudez.
Peter MacNicol, de Os Caça-Fantasmas 2 (1989), interpreta o aprendiz de um feiticeiro que é chamado para deter a ameaça por um grupo de aldeões. O mago (Ralph Richardson) é morto por um dos soldados do reinado e o jovem decide assumir a missão, apesar da desconfiança de todos.
Além da premissa, pesada para uma marca construída em torno de atrações para crianças, o título também traz cenas violentas (uma das personagens é devorada viva por filhotes de dragão, que engolem partes do corpo diante da tela) e até um breve momento de nudez. Não parece ser por acaso que George R. R. Martin revelou que O Dragão e o Feiticeiro é um de seus filmes de fantasia favoritos (leia mais).
A obra de Robbins é fruto do mesmo período de Mistério no Bosque (1980) e No Templo das Tentações (1983), quando a Disney tentava redesenhar os lançamentos para um público mais adulto. Como os demais, o título também foi um fracasso nas bilheterias. Provavelmente por isso acabou esquecida. No Brasil, a memória é ainda mais confusa, visto que produção foi lançada em VHS como O Matador de Dragões.
O que mais impressiona nesse pequeno clássico fantástico são os efeitos visuais. Para criar o monstro, chamado de Vermithrax Pejorative, a equipe de efeitos especiais da Industrial Light and Magic usou técnicas de stop motion e animatrônicos. O resultado é de tirar o fôlego em alguns momentos – ainda mais se levarmos em conta que a computação gráfica levaria mais de uma década para ser plenamente incorporada nos blockbusters. O feito rendeu até uma indicação ao Oscar.
Há também um subtexto político-religioso que lembra muito Game of Thrones. O Dragão e o Feiticeiro se passa em um período em que o cristianismo ainda estava se espalhando no Ocidente medieval. Vários fiéis aparecem ao longo da narrativa, proclamando que a criatura que cospe fogo seria uma encarnação do demônio. Em uma aparição especial, Ian McDiarmid vive um padre que é queimado pela baforadas do monstrengo enquanto prega pelo poder de Deus. As referências não são gratuitas. Robbins e o roteirista Hal Barwood afirmaram na época que se inspiraram na lenda de São Jorge para escrever a trama.
A figura do rei também rende alguns insights. Em vários momentos, os personagens deixam pistas sobre o fato de o ritual de sacrifício de virgens ser um instrumento de controle social. O misticismo e a crendice dos aldeões servem à manutenção dos poderes e do status quo, que está prestes a ser abalado pela ascensão de uma nova religião. Profundo, como a série da HBO.