Uns dias atrás, um conhecido me disse numa festa que não gostava de cinema de horror. Perguntei se não apreciava nem filmes como Corra! (2017) e Nós (2019), do Jordan Peele. Ouvi em resposta, com algum desdém, que essas eram produções cuja narrativa tinha “história” e, portanto, diferiam das normativas do gênero.
Embora na hora eu tenha dado o silêncio como resposta – optei por gentilmente me retirar da conversa -, abracei o comentário como uma oportunidade de reflexão. Afinal, o horror não é um gênero que se limita à estrutura narrativa. Filmes como Pavor na Cidade dos Zumbis (1980) ou Terror nas Trevas (1981), de Lucio Fulci, são produções geniais cujas tramas são cheias de buracos e flertam com o incompreensível. O enredo não é exatamente o que mais importa nesses pesadelos cheios de mortos-vivos e delírios sobre a morte.
No início do ano, um colega chamou o filme-fenômeno argentino Aterrorizados (2018), de Demiàn Rugna, de “plasticamente bonito e assustador, mas com personagens pouco desenvolvidos”. O comentário poderia ser apropriado com veracidade para boa parte da filmografia de Fulci sem que isso deixasse seus filmes menos geniais. Se o filme é belo e te emociona, que diferença faz se os personagens são mal desenvolvidos?
Nenhum outro tipo de narrativa cinematográfica apresenta tantas possibilidades e mudanças desde a invenção do cinema, em 1895. Talvez até por isso, muitos gêneros sejam sazonais e desapareçam com o tempo, o que não ocorre com o horror.
A experiência de público é, como costumo ressaltar nesta coluna e na vida, sempre um exercício subjetivo. Apesar disso, acredito que o cinema é, antes de tudo, uma arte sobre imagens. O horror, ao lado do western, possivelmente seja o gênero que melhor explora o potencial visual da fotografia cinematográfica. O que aparece na tela importa porque nos tira da zona de conforto e nos choca com sua brutalidade.
O que se esconde dos nossos olhos em uma cena, porém, é tão fundamental no horror quanto o que se mostra. É a sugestão de uma motosserra perfurando violentamente a pele e os órgãos internos de uma pessoa o que nos deixa profundamente perturbados em O Massacre da Serra Elétrica (1974), pois a arma nunca aparece claramente dilacerando a carne humana.
A melhor definição de horror não se dá a partir de suas narrativas ou imagens, mas por sua resposta emocional. Em A Filosofia do Horror ou Paradoxos do Coração, o pesquisador Nöel Carroll diz que o gênero é semelhante à comédia ou ao erotismo, pois se define pela repulsa e pela ameaça que estimula (ou quer estimular) em seu público.
Se o filme precisa nos horrificar, que tipo de história ele deve buscar e que tipo imagens os diretores precisar criar para alcançar essa emoção? As duas perguntas abrem um leque gigantesco de opções e caminhos para o gênero, que incluem narrativas elaboradas e cheias de subtextos políticos, como o próprio Nós (2019), e obras que exploram algum tipo de catarse no público por aquilo que mostram na tela, como qualquer exemplar da série Sexta-Feira 13.
Nenhum outro tipo de narrativa cinematográfica apresenta tantas possibilidades e mudanças desde a invenção do cinema, em 1895. Talvez até por isso, muitos gêneros sejam sazonais e desapareçam com o tempo, o que não ocorre com o horror – sempre disposto a se adaptar e encontrar um novo lugar de produção quando um determinado ciclo se encerra. Só por isso, o horror deveria ser visto como um gênero nobre.
Eu deveria ter dito isso para aquele meu conhecido na festa, mas aí eu seria chamado de chato.