Uma expressão em inglês, jump the shark (ou jumping the shark), já é bem comum para quem acompanha seriados com afinco. Você pode nem saber o que é, mas sem dúvida já presenciou. Traduzindo literalmente, trata-se de “pular o tubarão” e surgiu após a estreia da quinta temporada de Happy Days (uma importante sitcom dos anos 70), quando o personagem Fonzie (Henry Winkler) está praticando esqui aquático e, bem, pula por cima de um tubarão, em uma cena completamente sem propósito de existir. Depois disso, a série começou a decair de forma vertiginosa, sendo este pulo do tubarão o ponto determinante para que Happy Days entrasse em decadência. Ainda que a produção tenha sobrevivido por mais seis temporadas, nunca mais ganhou o prestígio do público e crítica como antes.
Quando uma produção televisiva começa a se estender mais do que deveria, os roteiristas precisam criar mais histórias. Na TV aberta americana, tradicionalmente os seriados têm um total de 22 episódios por temporada. O que parece pouco – visto que há um intervalo bem grande entre uma temporada e outra -, acaba criando um stress em quem precisa escrever um episódio melhor do que o outro. No Brasil, vemos a mesma coisa em novelas – ou mesmo em seriados, como A Grande Família, por exemplo. Na ganância de mais audiência, a emissora pede capítulos extras, obrigando os autores a criarem uma barriga no texto que não só faz a qualidade cair como afasta o público mais fiel.
O caso de Happy Days ficou marcado justamente por, após o personagem pular o tubarão, público e crítica perceberem que há um determinado momento em que os roteiristas começam a passar por momentos difíceis e por ideias estapafúrdias. Há séries, sejamos justos, que nunca sofrem com isso (geralmente as de canais fechados, com episódios reduzidos) e outras que conseguem se recuperar. Mas a grande maioria, infelizmente, se perde para sempre. Pulo do tubarão, então, é quando uma série alcança o ápice de sua genialidade narrativa para entrar em declínio.
Na ganância de mais audiência, a emissora pede capítulos extras, obrigando os autores a criarem uma barriga no texto que não só faz a qualidade cair como afasta o público mais fiel.
Como listas são polêmicas e sempre muito pessoais, a ideia, aqui, não é afirmar de forma categórica que as séries ficaram ruins para sempre, mas abrir um diálogo para identificarmos exatamente onde as produções erraram a mão. Dessa forma, eu preferi não listar somente séries que eu tenha visto todas as temporadas, mas também séries que, de acordo com a crítica especializada e do público, começaram a degringolar. E para quem se interessar, há até um seção no site do TV Guide que analisa o momento em que uma produção começa a cair.
Abaixo, temos dez momentos nas séries que mostram claramente quando os roteiristas não tinham a menor ideia do que estavam fazendo. E você, sabe identificar quando uma série começa sua decadência?
10. Friends – 9.ª temporada – Rachel e Joey juntos

Embora os fãs xiitas coloquem Friends em um pedestal das melhores comédias do mundo, a série enfrentou alguns problemas na época em que foi exibida. Ainda que tenha terminado sendo a comédia mais vista da televisão americana, desde a sétima temporada a sitcom vinha enfrentando críticas. Os atores exigiam um salário cada vez maior e os roteiristas, preguiçosos, começaram a colocar plots bastante ridículos, deixando a série um tanto quanto chata. O público já não engolia tão facilmente pessoas com mais de 30 anos que agiam como adolescentes histéricos, que não tinham um trabalho fixo e ainda moravam num apartamento caro em Nova York, ou adultos tentando roubar cheescake do vizinho. Embora muitos afirmem que a série começou a decair na quinta temporada, quando Ross casou com Emily e acabou dizendo: “Eu aceito você, Rachel…” em pleno altar, para mim, o momento exato acontece quando os roteiristas acharam interessante inserir um romance entre Rachel e Joey. Mesmo que o arco narrativo tenha conquistado alguns fãs, tudo era tão constrangedor e forçado que logo abandonaram a ideia, não sem antes colocarem cenas absurdas do tipo Joey pedindo Rachel em casamento acidentalmente. Eles ainda levaram essa ideia por um bom tempo na última temporada. Por sorte, Friends acabou no décimo ano, tendo, até hoje, um apelo emocional fortíssimo.
9. Desperate Housewives – 5.ª temporada – A ação da série avança cinco anos

Desperate Housewives é o exemplo de série que fez um estrondoso sucesso em suas primeiras temporadas, para depois ser completamente esquecida. Quando estreou, em 2004, fazia parte dos seriados mais badalados do momento, conseguindo facilmente uma audiência de mais de 20 milhões de telespectadores, inaugurando uma nova onda de dramédias na televisão americana. Embora a segunda temporada figure facilmente entre as piores da série, foi no quinto ano que os criadores e roteiristas perderam completamente a noção. Por conselho dos criadores de Lost, a série avançou cinco anos no tempo, pulando de 2008 para 2013. As personagens, teoricamente, deveriam estar mais velhas, o que não aconteceu. Ainda que o recurso tenha sido utilizado para que as mulheres crescessem e formassem histórias mais interessantes, nada na série mudou. Nas temporadas seguintes, ninguém mais lembrava do salto no tempo. Depois disso, Desperate começou a decair na audiência e apresentar episódios sem pé nem cabeça, como um acidente de avião que atinge o bairro de Wisteria Lane ou um tornado que devasta toda a cidade, que na época de exibição até parecia interessante, mas que hoje dá bastante vergonha.
8. Lost – 4.ª temporada – A ilha se desloca

Lost é outra série difícil de analisar, porque os fãs a defendem com todas forças. Ainda que as coisas tenham começado a se complicar mesmo na quinta temporada, o segundo ano já mostrava coisas um pouco estranhas, como uma fumaça negra assassina (que ganhou uma explicação bem ridícula no final da série). Mas nada parece superar a ideia de que a ilha podia desaparecer apenas movendo uma roda fixada numa pedra. Mesmo que os mistérios mantivessem Lost interessante e essa mesma temporada tenha trazido o que, provavelmente, é o melhor episódio da série (“The Constant”), o público não acreditava mais em tantos absurdos sem respostas. A audiência – e a qualidade – começaram a sumir junto com a ilha.
7. Glee – 4.ª temporada – Novo elenco

Sou um dos grandes defensores de Glee (você pode ler uma análise da série aqui), mas é fato que, embora tenha entregado momentos marcantes durante todos os seus anos, a série deveria ter terminado na terceira temporada, com os alunos se formando. Como em toda série adolescente, os personagens precisam crescer, ir para faculdade, evoluir, Mas o criador Ryan Murphy e seus roteiristas precisavam de mais temporadas. Mudaram todo o elenco principal, deslocaram alguns para Nova York e colocaram, vez ou outra, participações especiais de personagens antigos. A série andava em círculos, os novos personagens não conquistavam e as músicas ficavam cada vez mais chatas. O resultado foi a debandada da audiência, que fez a série terminar dois anos depois, em uma sexta-feira, dia do limbo para qualquer programa de televisão.
6. Heroes – 2ª temporada – A série foi renovada

Já no final da primeira temporada, Heroes dava sinais que de algo não muito bom estava acontecendo. Quando começou seu segundo ano, o desastre foi tão grande que fica difícil até especificar qual momento a série pulou o tubarão. Mas, em resumo, Peter Petrelli precisava salvar a cheerleader Claire para salvar o mundo, porque Sylar, o vilão, tinha o poder de absorver todas as habilidades dos heróis, abrindo suas cabeças e sugando seus poderes. Sylar se tornaria invencível caso roubasse o poder de Claire, porque, afinal, o poder da menina era… ser invencível. Mas como continuar a série se Sylar nao podia matar Claire, já que ela não poderia ser morta? Com esse plot incrível, a série começou a entrar numa espiral de erros que mantiveram apenas os fãs mais esforçados e ainda rendeu um vergonhoso pedido de desculpas do próprio criador. Inexplicavelmente, Heroes ganhou uma nova temporada esse ano, em forma de minissérie. Você pode a análise dos primeiros dois episódios aqui.
5. True Blood – 5.ª temporada – A aparição de Lilith/Billith

Criada por Alan Ball – a mente por trás de Six Feet Under – True Blood era uma série instigante, com personagens interessantes e um roteiro que, embora bem bizarro, era sexy e inteligente, se tornando uma sensação mundo afora. Mas logo Alan Ball começou a demonstrar um certo desânimo, se afastou dos roteiros, depois da produção-executiva, até abandonar completamente sua cria. Assim, True Blood passou por diversos momentos em que nos perguntávamos: por que essa série ainda existe? Mas, para mim, o pulo do tubarão acontece na quinta temporada, com a entrada de Lilith, uma personagem que teoricamente seria interessante, mas que deixou apenas tudo mais ridículo. Os coadjuvantes ficaram mais interessantes que os protagonistas, uma confusão de temas era jogado na tela e a série parecia não mais saber para onde ir. Para piorar, Bill, o protagonista, morreu e virou Billith, uma junção tosca de Bill e Lilith.
4. A Feiticeira – 6.ª temporada – A troca de ator

Uma das piores coisas para uma série de TV, ou filmes que ganham sequência, é a troca de atores. E não é apenas a substituição de velhos personagens por novos, mas a mudança de ator para interpretar um personagem já conhecido pelo público. Na sexta temporada, A Feticeira sofreu um baque. O ator Dick York, que interpretou Darrin (ou James, no Brasil), o marido da feiticeira nas primeiras cinco temporadas, precisou ser substituído por Dick Sargent. O ator sofria de fortes dores na coluna, impossibilitando-o de continuar filmando a série. A troca de intérpretes foi feita sem qualquer aviso, o público rejeitou e a trama nunca mais se recuperou, terminando dois anos depois, em sua oitava temporada.
3. The O.C – 3.ª temporada – A morte da protagonista

Acho um pouco conflitante falar de The O.C. Primeiro, porque a série fez um sucesso absurdo em suas duas primeiras temporadas; segundo, porque não acho O.C sensacional; terceiro e mais importante, porque o pulo do tubarão da série, para mim, a fez melhorar . Mas a questão é que a atriz Mischa Barton estava cansada de interpretar a cansativa Marissa Cooper e pediu para sair da série. Num golpe apelativo, os roteiristas acharam uma boa ideia matá-la no final da terceira temporada, em uma cena extremamente cafona, mas que emocionou o público. Os fãs se revoltaram, odiaram todas as ideias e a quarta temporada agonizou na grade de programação da FOX. Os produtores chegaram ao fundo do poço lançando uma campanha chamada “Save O.C.“, para que os o o público voltasse a assistir. Não deu certo.
2. Arquivo-X – 7.ª temporada – A saída de David Duchovny

Arquivo-X fez tanto sucesso mundo afora que seria impossível pensar que algum dia a série continuaria sem um de seus protagonistas. Mas aconteceu. A pedido de David Duchovny, que interpretava o icônico Fox Mulder, a série precisou dar um jeito de continuar sem ele. Era mais do que plausível se a FOX decidisse encerrar a série, mas não. Após brigas e mais brigas entre o ator e a emissora, Arquivo-X estreou sua oitava temporada apenas com Gillian Anderson e sua Scully. Ele ainda apareceu em alguns episódios do oitavo ano e voltou à série na nona e última temporada, mas o estrago já estava feito e Arquivo-X terminou sem nem a metade da relevância que tinha no início dos anos 1990.
1. ER/Plantão Médico – 10.ª temporada – O acidente de helicóptero

ER, embora tenha tido 15 temporadas e mais de 300 episódios, sempre conseguiu apresentar algum episódio digno de aplausos em todos os seus anos. Os roteiristas se esforçavam para escrever textos provocativos, que mantivessem o interesse do público. Porém, ER é um clássico exemplo de quando um determinado episódio estraga com toda e qualquer confiança do público adquirida ao longo dos anos e é por isso que ganha o primeiro lugar nessa lista. Na estreia na nona temporada, o interessante e repugnante cirurgião Robert Romano (Paul McCrane) perde seu braço em um acidente com a lâmina de um helicóptero. O problema é que, após um longo e dolorido processo de recuperação, o personagem começou a ficar mais humano, com o público vendo uma certa mudança em sua personalidade repulsiva. Mas como os roteiristas decidem terminar sua história? Um ano depois, um novo acidente com um helicóptero acontece no hospital, só que dessa vez ele explode e cai em cima do médico, em uma cena inacreditavelmente absurda.