Demolidor, Jessica Jones, The Flash, Gotham, Arrow, Agents of S.H.I.E.L.D… a lista de séries sobre super-heróis parece não ter fim, mas se engana quem pensa que isso é coisa recente. A televisão descobriu cedo que os heróis dos quadrinhos poderiam ser um ótimo negócio. Recente, na verdade, é a qualidade dos roteiros e o cuidado com os efeitos especiais, elemento crucial nesse tipo de produção. Se antes tínhamos algumas vergonhas como Birds of Prey e Blade – O Caçador de Vampiros, hoje em dia as séries ganham não somente fãs ardorosos, mas o respeito da crítica.
O conceito de Jornada do Herói sempre gerou interesse. Ainda que, hoje, as séries acertem em um desenvolvimento narrativo mais denso, deixando um pouco de lado o maniqueísmo dos personagens, a narrativa se baseia nos estágios da Jornada, começando quase sempre no mundo normal, antes da história começar, seguindo para o Chamado da Aventura, onde um problema é apresentado. Após uma série de complicações, sua jornada termina com a regressão. O herói volta pra casa ou entende seu papel no mundo. A tal jornada ainda é a base de diversos produtos culturais – e não somente obras fantasiosas – e está longe de terminar.
A primeira série do Super-Homem apareceu em 1951, baseado no personagem criado em 1938. As Aventuras do Super-Homem foi um marco na história da televisão norte-americana por diversos motivos: foi a primeira série a ser sindicalizada, começou a ser filmada em cores e foi a primeira série de herói a alcançar popularidade, com 104 episódios exibidos durante seis temporadas. Clark Kent saía das páginas impressas para o horário nobre, tornando-se o defensor da justiça e do modo de vida norte-americano. Ao lado de I Love Lucy, foi uma das produções mais queridas da década de 1950. Foi aqui, também, que a televisão precisou arranjar um jeito de fazer um humano voar. Avançadíssimo para a época, o Super-Homem se fixava contra uma parede que simulava nuvens e a câmera ficava posicionada num ângulo de 90 graus, a fim de dar a impressão de voo.
A série, até hoje, traz fãs saudosos nas reprises e DVDs. O ator George Reeves ficou marcado pelo personagem. Sua trágica morte, em 1958, é um dos mistério de Hollywood. Suspeita-se que, deprimido por não conseguir mais nenhum papel na TV após o cancelamento do seriado, Reeves deu um tiro na cabeça. Mas há uma lenda dizendo que o ator vestiu seu uniforme de Super-Homem e se atirou de uma janela, acreditando que podia voar. Verdade ou não, o caso é retratado no longa Hollywoodland – Nos Bastidores da Fama, em que Ben Affleck interpreta Reeves.
No Brasil, em 1954, a TV Record criou o brasileiríssimo Capitão 7. O número era uma referência direta ao canal onde a série era exibida. Capitão 7 foi uma das primeiras séries no país a ser gravada ao vivo e durou 12 anos. Fazendo o caminho contrário, ganhou as páginas dos gibis em 1959. Na história, depois de salvar um alienígena, Carlos é levado pelo ser do espaço para um planeta onde recebe uma educação mais avançada do que na Terra. Quando retorna, Carlos transforma-se no Capitão 7 (olha a Jornada do Herói aí) e tenta trazer justiça e paz em todas as regiões do planeta.
Hoje, mesmo com a evolução da tecnologia, interessa menos os efeitos especiais e mais o relacionamento intrapessoal.
Mas o sucesso dos super-heróis na televisão começou mesmo com Batman, em 1966, e que sobrevive em reprises até hoje. Diferente do Gotham ou dos recentes longas sobre Batman, em que a história é densa e com contornos de depressão, a série apostava no lado cômico e psicodélico. Junto com as coreografadas cenas de ação, a série trazia as famosas onomatopeias nas lutas de Batman e Robin (“bam” e “kapow”, por exemplo) e foi a primeira a usar os objetos do Batman na televisão, como o batmóvel, o cinto de utilidades e o batsinal.
Embora tenha feito um sucesso estrondoso mundo afora, a série durou apenas três temporadas. Tentando alcançar um público maior, os produtores inseriram a Batgirl, interpretada por Yvonne Craig, mas a audiência reclamou. A série reavivou o sucesso de Batman na época e salvou os quadrinhos de terem sua publicação cancelada, mas os fãs mais ardorosos rejeitavam o seriado pelo seu tom cômico. A série também interferiu no roteiro de outras duas produções da época: Perdidos no Espaço e O Agente da UNCLE, que começaram com um tom mais sério e foram se utilizando do humor para aumentar sua audiência. E se hoje as editoras se preocupam em diversificar seus heróis, humanizando alguns personagens, na época a tia Harriet Cooper entrou no seriado porque, nos bastidores, havia um certo desconforto pelo fato dos personagens Bruce Wayne e Dick Grayson (o Robin) morarem juntos.
Do mesmo criador de Batman, em 1966 um herói vindo de uma radionovela norte-americana também faria relativo sucesso na TV. O Besouro Verde, interpretado por Van Williams, apareceu em Los Angeles para combater o crime organizado ao lado de seu assistente Kato (Bruce Lee), um coreano treinado nas artes marciais. A série durou pouco, somente 26 episódios e uma temporada, mas virou uma produção cultuada entre os fãs, especialmente por ter catapultado a carreira de Bruce Lee. Além disso, foi um dos primeiros heróis a não ter nenhum poder extraterrestre, combatendo o crime apenas com lutas e estratégias.
E depois de Batman, os produtores entenderam que adaptar personagens dos quadrinhos para a televisão era um negócio certo e lucrativo. Assim, mesmo com a dificuldade de transportar para a TV os superpoderes vistos nas páginas, as emissoras começaram a investir pesado nessas histórias. Em 1975, o roteirista e produtor William M. Marston desenvolveu o piloto de Mulher Maravilha, primeiramente estreada por Cathy Lee Crosby no cinema, chamando pouca atenção. Depois, Lynda Carter assumiria o papel da heroína no cinema e, mais tarde, na série de TV, que trouxe a história para um contexto mais contemporâneo, se afastando dos gibis.
A mesma adaptação aconteceu com O Incrível Hulk, em 1978. Inspirada nos quadrinhos de Stan Lee, a série é bastante distante dos quadrinhos originais, mas conseguiu enorme sucesso, com cinco temporadas e 82 episódios. Com um personagem mais complexo, a série mostrava um super-herói com um passado difícil e humanizado, diferente de O Homem-Aranha, que durou apenas 15 episódios e um fracasso de público e crítica.
Com o sucesso dos heróis na época, a empresa Filmation (responsável por Batman, Super-Homem, Shazam) criou a primeira personagem para a TV que não teve origem nos quadrinhos. A Poderosa Ísis é a primeira série norte-americana a ter uma super-heroína com seu nome no título, e trouxe outro herói dos gibis para a televisão. As Aventuras do Capitão Marvel também fugia bastante dos quadrinhos, e o herói Billy precisava gritar a palavra “Shazam!” para invocar os poderes dos deuses. Embora as duas séries tenham durado apenas uma temporada, se tornaram cultuadas ao longo das décadas e suas histórias sobrevivem nos quadrinhos.
Já nos anos 80, uma invasão japonesa tomou conta das telas brasileiras. Com O Fantástico Jaspion e Esquadrão Relâmpago Changeman, milhares de fãs no Brasil começaram a se interessar pela cultura japonesa e seus produtos. Jaspion, aliás, trazia uma complexidade no roteiro, com histórias ficando mais densas com o passar das temporadas. O personagem ia envelhecendo e mostrando o peso de suas responsabilidades, assim como o público também ia crescendo e se tornando adulto. Mesmo com a pobreza dos cenários, Jaspion e Changeman são cultuados até hoje. Já nos anos 1990, o produtor Haim Saban passou uma temporada no Japão e ficou tão encantando com a história de jovens com uniformes coloridos e armas espaciais, que resolveu fazer uma parceria entre a produtora japonesa Toei para levar a mesma história aos Estados Unidos, mas com atores norte-americanos. Power Rangers foi um dos maiores fenômenos da televisão mundial, sendo exibida em diversos canais brasileiros, com dois longas-metragens em seu currículo e diversos produtos licenciados.
E bem antes de Smallville, uma outra série contava a mesma história, mas com menos efeitos especiais. Em 1988, Superboy mostrava o adolescente Clark Kent estudando Jornalismo com Lana Lang e com todos os vilões dos quadrinhos. A série, entretanto, precisou ser cancelada na quarta temporada por um processo movido pela Warner pelo uso indevido do personagem numa série de TV. Uma série esquecida no passado, mas que fez relativo sucesso no final dos anos 1980, foi Super-Herói por Acidente, produção canadense que durou três temporadas e contava a história do jovem Andre Clements, atingido por um raio que o deixa com supervelocidade, corpo impenetrável e capacidade de flutuar. Quem fez enorme sucesso no Brasil, mas não nos EUA, foi o professor Ralph Hinkley e seu Super-Herói Americano. Com roteiro simples, quase bobo, a série era uma comédia atrapalhada que alcançou grande popularidade no SBT. Tal como Superboy, a série precisou sair do ar depois de um processo da Warner, que a considerou uma cópia barata de Super-Homem.
Com a chegada dos anos 1990, os heróis não estavam tão em alta assim, mas algumas emissoras ainda tentavam. Se hoje The Flash faz bastante sucesso no canal CW, no início da década a mesma série, com o mesmo nome, acabou sendo um fracasso esquecível. Com um orçamento baixo e uma produção que exigia grandes efeitos especiais, seus roteiros rasos não chamaram a atenção do público e durou apenas 21 episódios. Quem dominou a década foi, novamente, o Super-Homem, que precisou ser chamado de Superman por exigência da Warner, que queria unificar o nome do herói no mundo todo. Lois & Clark: As Novas Aventuras do Superman trouxe para fãs mais novos um pouco da mitologia do herói, mas diferente das outras histórias contadas até então, focava no relacionamento de Lois e Clark. A série mostrou o casamento entre os dois, algo esperado pelos fãs do herói nos quadrinhos, que aconteceu na terceira temporada. Superman durou quatro anos e, no Brasil, fez enorme sucesso nas tardes da Rede Globo, sendo uma das primeiras séries de super-herói a ter um cuidado maior com os roteiros e efeitos visuais mais produzidos, além de alçar a carreira de Teri Hatcher e Dean Cain.
Um longo caminho…
Antes dos heróis voltarem em alta na televisão, os anos 2000 trouxeram algumas séries que não deram certo. Mesmo com a tecnologia mais avançada, o público rejeitou diversas produções. Witchblade tentava contar uma história mais séria sobre uma detetive que colocava acidentalmente uma luva poderosa que lhe dava poderes. O roteiro fraco e problemas nos bastidores fizeram a série ser cancelada já na primeira temporada. Outra produção que não deu muito certo foi Birds of Prey, inspirada nos quadrinhos Aves de Rapina. A história tem como ponto de partida a morte da Mulher-Gato, vítima do Coringa. Com sua morte, Batman deixa a cidade e cabe a Bárbara Gordon, sob a identidade de Oráculo, com a companhia da Caçadora e da Canário Negro, manter a ordem em Gotham. Ainda que a série traga o frescor de uma protagonista feminina, seus roteiros não tiveram tempo de se desenvolver e a audiência não foi a esperada pelo canal WB, sendo cancelada após 13 episódios.
Outro que parecia uma promessa, mas acabou sendo um fracasso, foi Blade – O Caçador de Vampiros, personagem saído dos quadrinhos da Marvel e que vinha de três longa-metragens bem sucedidos. Com roteiros soturnos e pesados, a série era exibida em um canal pequeno e não chamou muita atenção, sendo cancelada após 12 episódios.
Novamente, quem teve sorte foi Clark Kent e sua juventude. Smallville foi febre no mundo todo, ainda que não fosse levada a sério pelos críticos. Ao focar na vida de Clark na sua cidade-natal, a série apresentou aos mais novos a mitologia do Super-Homem, junto com problemas típicos da idade e com personagens que se tornariam importantes na mitologia do herói, como Lex Luthor. A série durou 10 temporadas e concluiu sua história com Clark tornando-se o Super-Homem conhecido por todos.
… até o sucesso
Finalmente, nos anos 2000, os heróis já dominavam o cinema. Nada melhor, então, do que criar uma série original juntando a mitologia de diversos quadrinhos, como X-Men, Os Vingadores, Liga da Justiça e por aí vai. Heroes foi um dos maiores fenômenos de 2006, junto de Lost, e se transformou na série mais vista daquele ano. Infelizmente, as temporadas seguintes não conseguiram segurar a audiência e os roteiros começaram a ficar cada vez mais vergonhosos. Depois de cancelada, em 2009, a série ganhou uma minissérie no ano passado, intitulada Heroes: Reborn, mas não conseguiu repetir o sucesso.
Atualmente, há séries sobre super-heróis que não devem nada aos seriados, digamos, mais sérios. Mas é sempre bom revisitarmos o passado para entendermos como a qualidade vista hoje precisou ser desenvolvida por longos anos para conseguirmos, por exemplo, uma Jessica Jones, com roteiros provocativos e corajosos. Interessante também perceber que, hoje, mesmo com a evolução da tecnologia, interessa menos os efeitos especiais e mais o relacionamento intrapessoal. Os super-heróis, enfim, andam cada vez mais humanos.
Fontes consultadas: IMDB, Wikipedia e Almanaque dos Seriados (2008, Paulo Gustavo Pereira).