Se você digitar Game of Thrones no Google vai se deparar com, aproximadamente, 130 milhões (milhões!) de resultados, que vão desde críticas dos episódios até verdadeiras páginas de idolatração. Desenvolvida para a tevê por David Benioff e D. B. Weiss, a partir dos livros de George R. R. Martin, a série é um fenômeno bem maior do que foi Lost (2004), por exemplo. Atualmente, GoT é a série mais assistida no mundo todo. Nos EUA, a estreia do sexto ano bateu recorde de audiência, com 10,7 milhões de pessoas. No Brasil, a produção é líder em seu horário, especialmente na faixa etária de 18 a 34 anos.
É inegável que não há nenhuma série como GoT hoje em dia. A produção consegue a proeza de sair das telas e virar ponto de discussão no trabalho, no ônibus, na rua e em diversas redes sociais. Milhares de fãs se conectam para discutir teorias, comparar os fatos vistos na série com os lidos nos livros, lembrar de cenas épicas e analisar detalhes. Assim que um episódio termina, especialmente os mais chocantes, é quase que essencial que alguém comente com o outro – atitude que gera os polêmicos spoilers. Mas é bonito de ver. Game of Thrones fala de fantasia medieval e dragões, mas consegue sair do nicho e fazer até o mais intelectual de todos discutir as ações políticas para que as famílias reais conquistem o trono de ferro.
Se os números impressionam, o que faz de Game of Thrones realmente histórico é o despertar de um velho hábito: assistir à televisão. Fica claro que seu impacto na cultura pop prova que o público ainda se interessa em sentar no sofá semanalmente, em horário pré-determinado, e ouvir uma história. Basta que a história seja boa. Especialmente hoje, em que o modelo tradicional de se assistir à televisão muda a cada segundo, GoT ter uma audiência tão expressiva é extremamente relevante. Nós estamos falando de HBO, o canal fechado mais caro das operadoras de TV por assinatura, tanto no Brasil quanto no resto do mundo. Mesmo assim, milhões de pessoas se reúnem em frente à tevê para assistir a um novo episódio e não levar spoiler na cara no outro dia. A pirataria existe, claro, mas não é raro ouvir histórias do amigo que tem uma assinatura premium e faz uma reunião todo domingo para assistir a mais um episódio. É emocionante.
Mas, então, qual é o problema?
Game of Thrones acabou criando uma legião de fanáticos e é sempre muito difícil conversar com fanáticos.
Veja bem, o sucesso não é à toa. A série é boa, ótima, na verdade, mas todo esse sucesso também faz acordar velhos tipos de fãs: os xiitas. Basicamente, Game of Thrones é a melhor série já feita desde a invenção da televisão. É perfeita. A discussão quase nunca é analítica, porque não há defeito algum. Dessa forma, a cada final de temporada, os fãs reafirmam a imaculabilidade do roteiro, mesmo que alguns personagens sejam esquecidos ou repetitivos, que a série trabalhe bastante com um enredo novelesco, que o maniqueísmo se faça presente, que tenhamos episódios inúteis em temporadas com apenas dez episódios, que os personagens andem tanto que não se sabe para onde estão indo e que o imenso elenco cause confusão e não dê tempo de aprofundar ninguém de fato.
Há bastante insistência em argumentar com o amigo que ele não compreende a série porque não leu os livros, portanto não pode opinar, porque ele não sabe, ele não é digno da grandiosidade que é assistir a Game of Thrones. Isso não existe! GoT foi desenvolvida para a televisão e, como tal, deve funcionar sozinha, tendo o livro como base e apenas como base. Se os roteiristas não fazem a série andar com as próprias pernas e pedem ao seu público que leia o livro para compreender toda a incrível complexidade do roteiro, eles não estão fazendo o trabalho direito. Afinal, há uma sutil diferença entre ampliar o interesse do público para com a história e obrigá-los a lerem uma obra gigantesca que, não duvido, deve ser bem melhor do que a do seriado.
Talvez a maior problematização em torno de GoT seja a questão de como o sexo é inserido e representado na trama. Na quinta temporada, uma cena de estupro um tanto quanto inútil causou revolta em boa parcela da audiência, que prometeu abandonar a série. Mas os fãs disseram que a cena era necessária para o crescimento da personagem. Não há nenhuma misoginia. Nunca. Jamais. A HBO tem tradição de produzir séries com cenas de sexo explícito, mas há sempre algum contexto. Game of Thrones parece exagerar na dose, mas não para os fãs. As cenas fazem todo o sentido. Nem mesmo a declaração de Emilia Clarke afirmando que essas cenas são gratuitas é capaz de convencê-los.
Mesmo correndo o risco de ser xingado pelos leitores, eu insisto em dizer que não consigo compreender o respiro de genialidade que todos enxergam em GoT. Para mim, a série se assemelha a uma grande novela com orçamento multimilionário e que se passa em tempos medievais. Mas não me entendam mal, eu adoro novelas. O problema é que um roteiro nem tão brilhante assim é disfarçado com uma mega produção e efeitos especiais de primeira, o que não deixa de ser um mérito, aliás. Mas, de qualquer forma, tirando alguns plots bastante inspirados, a série mostra nada mais nada menos do que jogos de amor, poder e política. Há algo mais novelesco do que fofocas no reino, política, personagens engraçadinhos, guerra, ódio entre famílias, incesto, raiva, loucura, destruição, romance e muito sexo? O grande trunfo, porém, é a belíssima produção da HBO e o texto de R.R Martin. Mas continua sendo uma novela.
O que as pessoas parecem não entender é que a HBO fez um marketing incrível em cima da série. Não por acaso, da noite para o dia, todo mundo virou fã de Game of Thrones. Isso não tira o mérito do sucesso de forma alguma. Ela é, sim, uma ótima série, mas não há mais senso crítico. Arya lutando e dizendo: “A garota não tem nome”, por diversos episódios seguidos? É genial e ponto. Tyrion ter virado o alívio cômico que só faz confusão e apronta todas? Brilhante! Episódios com personagens andando interminavelmente na floresta ou discutindo em cima do cavalo? É desenvolvimento de personagem e quem se entedia é uma pessoa limitada. Daenerys fazendo a mesma coisa há umas três temporadas? Que personagem incrível! Contar tantas histórias com tantos personagens em apenas 10 episódios? Fazem isso muito bem! Game of Thrones acabou criando uma legião de fanáticos e é sempre muito difícil conversar com fanáticos. Não gostar de Game of Thrones acaba te tornando uma pessoa burra, de mal gosto e que jamais, em hipótese algum, terá permissão para falar da série.
Entretanto, embora eu ache a série supervalorizada, ela é, sem dúvidas, uma das melhores produções já feitas para a televisão. Seus episódios são cinematográficos, a direção de arte é excepcional, o figurino é excelente, a trilha sonora é impecável e a direção vai melhorando a cada ano, e que parece ter alcançado seu ápice no excelente episódio “Battle of Bastards”. Meu único problema com a série é que não parece haver espaço para discussão. Se alguém não gosta, é ignorante. Ponto final. Embora isso seja recorrente em produtos que alcançam um sucesso estrondoso (com Lost foi a mesma coisa), o fanatismo aniquila diálogos que poderiam ser bastante proveitosos, especialmente quando pensamos no nível de qualidade que uma série pode alcançar e em como a TV se confirma como um dos melhores berços criativos da arte.
Mas enquanto escrevo esta crítica e sou xingado mentalmente pelos leitores, Game of Thrones vai se firmando como o grande fenômeno da década. E isso ninguém pode contestar.