A série documental O Caso Evandro, da Globoplay, é um marco em vários sentidos. O primeiro é o de ser a primeira adaptação brasileira de um podcast para a televisão no Brasil – o que envolve, além da migração da linguagem oral para a audiovisual, o desafio de transformar 36 capítulos longos do podcast em uma narrativa bem mais curta.
O segundo marco é o de conseguir, ao mesmo tempo, apresentar e complementar o podcast aos seus muitos ouvintes (o “Caso Evandro”, na verdade, é uma temporada do podcast Projeto Humanos e contabiliza mais de 9 milhões de downloads). O fato é que o podcast é uma obra exigente, uma vez que demanda muita atenção de quem ouve, pois a trama é complexa e os personagens são muitos. Por isso, a série da Globoplay, ao reduzir a história e o trabalho de Ivan Mizanzuk, criador do podcast, precisava continuar envolvente aos novos espectadores. E consegue.
Para quem não acompanhou o fenômeno do podcast, vai aqui uma tentativa de um breve resumo. O Caso Evandro gira em torno do chamado caso das “Bruxas de Guaratuba”, ocorrido em 1992, quando uma criança chamada Evandro Ramos Caetano, de 6 anos, sumiu na cidade de Guaratuba, no litoral do Paraná. Poucos dias depois, o corpo foi encontrado e sete pessoas foram acusadas pelo crime. Dentre elas, estavam Celina e Beatriz Abbage, respectivamente esposa e filha do prefeito da cidade.
A partir daí, a história se complica em vários aspectos: há uma suspeita de uma trama política de fundo, uma vez que a família Abbage é “protegida” de Aníbal Khury, na época, presidente da Assembleia Legislativa, e rival do então governador do estado, Roberto Requião. Além disso, o Paraná passava por uma época com vários sequestros de crianças – o que, segundo contam algumas teorias, teria levado a uma pressão no governador para que algum (ou alguns) caso fosse solucionado.
Não por acaso, O Caso Evandro gira em torno de sete episódios – o sete, como sabe quem acompanhou o podcast, é um número crucial nesta história.
Soma-se a isso um outro fator importante: a suspeita em torno dos casos se potencializava pela teoria de que Evandro teria sido morto num ritual que o jornalismo categorizou como de “magia negra”. Não por acaso, as Abbage foram apelidadas pela imprensa como as Bruxas de Guaratuba, e um ideário negativo em torno de religiões afro-brasileiras foi ativado o tempo todo pelos jornalistas que cobriam o caso. Tudo isso vai nos levando a acreditar na fragilidade do processo que foi aberto para acusar os 7 suspeitos.
Não por acaso, O Caso Evandro gira em torno de sete episódios – o sete, como sabe quem acompanhou o podcast, é um número crucial nesta história. Dirigida por Aly Muritiba e Michele Chevrand, a série consegue construir uma narrativa coesa, econômica (o que, conforme já dito, era um desafio a ser enfrentado) e, acima de tudo, envolvente.
Esteticamente, O Caso Evandro parece emular o estilo típico dos programas policiais dos anos 80 e 90 – inclusive, uma das riquezas da série é que ela reproduz muitas imagens dessa época. Outro recurso utilizado é a produção de dramatizações com atores (remetendo ao recurso usado pelo programa Linha Direta, da Globo), que reconstituem os fatos pelas diferentes visões dos envolvidos. Portanto, há uma importante contribuição aqui ao jornalismo policial que, por regra, assume uma única visão (geralmente a mais sensacionalista possível) para apresentar ao leitor e ao espectador.
Ou seja, ao criar uma narrativa caleidoscópica, O Caso Evandro respeita quem assiste: cabe a nós tomarmos nossas próprias decisões sobre o que ocorreu no caso, a partir das múltiplas visões que nos são apresentadas. É quase como se fôssemos membros do júri e estivéssemos avaliando nós mesmo os argumentos defendidos pelos envolvidos. Vale dizer que isso não significa que a série se abstenha de manter um posicionamento – o qual fica bastante claro no último episódio.
Por fim, vale a pena destacar que a lógica dos episódios, numa espécie de crescendo, é bem costurada para que, por fim, possamos chegar a um fim apoteótico, no episódio sete, que se encerra de fato no clímax da história. Sem apresentar spoilers: O Caso Evandro se encerra nos dando acesso a cenas completamente novas, baseadas em descobertas feitas por Ivan Mizanzuk e que extrapolam as provas que foram avaliadas nos julgamentos dos acusados.
Não tenha dúvida: O Caso Evandro é uma série imperdível.