Fim de ano é sempre época de organizar a vida e fazer um saldo sobre o que fizemos. No que se refere ao cinema, na Escotilha, juntamos membros da nossa equipe e alguns críticos convidados para responder a uma questão: quais filmes mais te comoveram em 2021? O resultado você encontra nas próximas linhas.
Paulo Camargo
Jornalista e editor da Escotilha.
- Ataque dos Cães (2021), de Jane Campion
Com belíssima fotografia de Ari Wegner (de Lady MacBeth), e impecáveis direção de arte e figurinos, Ataque dos Cães é, ao mesmo tempo, drama, western e thriller. A trama, surpreendente, envolve o espectador do início ao fim, e subverte muitos paradigmas do faroeste, da figura do caubói, para, por fim, tirar o fôlego do público, graças ao excelente roteiro, também assinado por Jane Campion, que em 1993 foi a primeira mulher a vencer a Palma de Ouro no Festival de Cannes pelo hoje já clássico O Piano.
- Deserto Particular (2021), de Aly Muritiba
Intimista sem ser hermético, Deserto Particular, escolhido para ser o representante do Brasil na disputa por uma vaga entre os indicados ao Oscar de melhor filme internacional, é também enganador. Primeiro, nos faz acreditar que é sobre o mistério em torno da identidade de Sara, mas vai muito além disso. Estabelece uma discussão provocativa e sensível sobre masculinidade, gênero e sexualidade.
- Annette (2021), de Leos Carax
Apesar de ser um musical, Annette não é um filme fácil, palatável, do qual se sai feliz, cantando e dançando. Não mesmo! Esteticamente arrebatador, também dilacera por conta da violência, real e simbólica, que aos poucos vai se construindo até tomar conta da narrativa. Suas imagens assombram por horas, senão dias, após os créditos finais.
Marden Machado
Jornalista, curador do Cine Passeio e crítico de cinema do Cinemarden.
- Ataque dos Cães (2021), de Jane Campion
Jane Campion é uma roteirista primorosa e uma diretora excepcional. Em Ataque dos Cães ela prova mais uma vez seu inquestionável talento narrativo. Quanto ao elenco, não existe outra palavra que não seja irretocável para qualificá-lo. Sutileza, deslocamento e firmeza de caráter, características recorrentes na filmografia da cineasta, estão magnificamente presentes aqui. Campion ganhou o Leão de Prata de melhor direção em Veneza e é, desde já, a mais forte candidata ao Oscar de direção de 2022.
- Deserto Particular (2021), de Aly Muritiba
Há em Deserto Particular, de Aly Muritiba, um preciso trabalho de construção de personagens. A narrativa nos envolve por completo na busca por afeto, carinho e autoconhecimento de Daniel e Sara. Metaforicamente, essa viagem ao interior do Brasil que Daniel empreende é, de fato, um mergulho profundo e sem volta em sua própria alma, em sua essência. O elenco é perfeito, onde se destacam Antonio Saboia, Pedro Fasanaro e Thomás Aquino, que vivem seres humanos complexos, verdadeiros e multifacetados.
- The Beatles: Get Back (2021), de Peter Jackson
O cineasta Peter Jackson teve acesso a 60 horas de imagens e 150 horas de áudio dos Beatles, gravados em janeiro de 1969. Esse material inédito foi restaurado, remasterizado e montado. The Beatles: Get Back, minissérie de três partes, totaliza quase oito horas de puro deleite. John, Paul, George e Ringo aparecem compondo, ensaiando, tocando, cantando e gravando os álbuns Let It Be e Abbey Road. No final, a última apresentação ao vivo da banda no telhado do edifício da Apple. Pura Magia.
Luiz Gustavo Vilela
Jornalista na Superintendência Geral da Cultura do Paraná e crítico de cinema no Crônico de Cinema
- Um Animal Amarelo (2021), de Felipe Bragança
Ambientado no trânsito entre Brasil, Moçambique e Portugal, o filme interroga as relações imperialistas, tanto culturais quanto comerciais, mergulhando em um surrealismo poético e, eventualmente indigesto. Nem o próprio diretor escapa da problematização, se tornando alvo de si, reconhecendo seus privilégios e demonstrando os problemas radicais. O resultado é desconcertante, como se Carlos Reichenbach filmasse um roteiro de Miguel Gomes.
- A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas (2021), de Michael Rianda
A animação da Netflix, que acompanha uma família semi disfuncional (é divertidamente complicado) em uma road trip no meio de um apocalipse cibernético, afirma o óbvio: o que vai nos salvar da algoritmização da vida é um mergulho no que há de mais humano. E o que há de mais humano são tanto nossas idiossincrasias quanto uma certa alteridade radical. Se esse discurso, poderoso e necessário, vier embalado em uma linda animação, deliciosamente “suja”, e algumas das melhores piadas do cinema recente, tanto melhor.
- Crônica Francesa (2021), de Wes Anderson
É irregular, lento demais, com mais detalhes de cena e encenação do que o olho consegue acompanhar e talvez o mais autoindulgente dos filmes de Anderson. E é uma delícia. Crônica Francesa é a grande homenagem do diretor à New Yorker, uma das publicações mais importantes do mundo e seu objeto de devoção – há rumores que ele possui todas as edições. Gosto da ideias de que a resposta para a barbárie é a civilidade (o que não necessariamente implica em colonialismo eurocêntrico pseudo iluminista). É idealista, mas como seguir adiante sem ideais elevados?
BÔNUS: Tiago Bubniak
Jornalista e crítico de cinema
Convidamos Tiago Bubniak a compartilhar uma lista de caráter mais afetivo, sem a necessidade de se ater aos lançamentos deste ano. Afinal de contas, uma experiência cinematográfica não precisa ser feita apenas de filmes contemporâneos, não é mesmo?
- A Caixa de Pandora (2020), de Thom Fitzgerald
A Caixa de Pandora (2020), com direção de Thom Fitzgerald, mostra o processo de evolução de Maybelline Metcalf (Jacki Weaver), que viveu por muitos anos afastada do filho, Rickey Peedia (Eldon Thiele), pelo fato de ele ser homossexual. Quando ele morre, ela descobre que herdou um clube de drag queens. Tem início, então, um intercâmbio de visões de mundo completamente diferentes, não sem sutis momentos cômicos. Um ode aos sensíveis, aos incompreendidos e aos que sonham com uma segunda chance.
- Unidas pela Esperança (2019), de Peter Cattaneo
Unidas pela Esperança (2019) é baseado na história real de esposas de militares ingleses que, para manter a sanidade enquanto seus maridos eram enviados para a Guerra no Afeganistão, decidem organizar um coral. O filme dirigido por Peter Cattaneo expõe o horror do conflito de maneira indireta: tudo é disfarçado com sutileza e música. O diretor traz aqui a mistura da leveza com discussão social já vista em Ou Tudo ou Nada (1997), quando um grupo de desempregados discute fazer strip-tease para amenizar a crise financeira.
- Quo Vadis, Aida? (2020), de Jasmila Žbanić
Quo Vadis, Aida? (2020) mostra o massacre dos bósnios promovido pelos sérvios. O filme da diretora Jasmila Žbanić deve seu mérito ao roteiro (que não dá descanso a quem assiste), à fotografia (com cores frias, como a vida triste de seus personagens) e ao elenco, sobretudo à protagonista. Aida (Jasna Djuricic) corre tentando salvar sua família, uma referência ao título, que significa “Para onde vais?”. O desespero de Aida é a personificação do desespero de milhares. Um filme-denúncia que tenta evitar que a humanidade repita tragédias.
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