Mais uma vez, em poucas semanas, deixamos de lado a tradicional resenha para apresentar neste espaço uma matéria. Agora, é sobre o 1º Festival Nacional de Curtas do Cinema da Fundação On-line, FestCurtas Fundaj 2020, que aconteceu entre 7 e 12 de julho. Quarenta e quatro filmes de 14 estados brasileiros ficaram disponíveis para o público no site, entre animações, ficções e documentários. Segundo os organizadores, o evento virtual teve cerca de 100 mil acessos. A iniciativa foi uma excelente oportunidade de se conhecer belas produções, de características variadas, capazes de aguçar a sensibilidade de quem se permite.
Os internautas puderam, inclusive, votar em seu filme preferido. O ganhador do Prêmio do Público foi Joãosinho da Goméa – O Rei do Candomblé (2019), do Rio de Janeiro. Com direção de Janaina Oliveira ReFem e Rodrigo Dutra, o filme apresenta o personagem-título como narrador principal de sua história, com músicas cantadas por ele, performances provocadoras e arquivos diversos que ressaltam a sua importância para as religiões de matriz africana.
Um dos maiores desafios de um curta-metragem é conseguir concentrar a maior quantidade possível de informações e detalhes em um intervalo de tempo bastante reduzido e, dessa forma, conseguir transmitir suas mensagens sem atropelos, com criatividade e, ao mesmo tempo, sem elipses que comprometam a compreensão.
Foram muitas as opções ofertadas pelo festival virtual. Um dos belos exemplos é o impactante A Hora Morta (2020), dirigido por Márcio Coutinho. Em apenas nove minutos são exibidas imagens capturadas durante as duas primeiras semanas de quarentena provocada pela expansão do novo coronavírus. A câmera passeia por vários lugares do Rio de Janeiro que, tradicionalmente, estariam ocupados por centenas ou mesmo milhares de pessoas. O impacto das imagens exibindo os diversos espaços completamente vazios aliadas a uma trilha sonora sombria cria uma atmosfera típica de filmes de zumbis. É mais ou menos como se a ficção Eu Sou a Lenda (2007), do diretor Francis Lawrence, com Will Smith, tivesse saltado da tela e tomasse conta da realidade.
Outra produção bastante chamativa no “cardápio” da mostra é o curta gaúcho O Afeto e a Rua (2019). Em 15 minutos, o filme dirigido por Thiago Köche aborda a relação existente entre moradores de rua de Porto Alegre e seus cães. O documentário investe em várias entrevistas com os personagens para coletar depoimentos como aquele que critica a opinião de muitos de que os cães são usados pelos entrevistados para chamar atenção e ganhar esmolas. Segundo é possível perceber nas entrevistas, os animais, na verdade, são grandes companheiros que ajudam a enfrentar as dificuldades da exclusão social humana.
A produção pernambucana Marie (2019), com direção de Leo Tabosa, aborda, em 25 minutos, a história ficcional do reencontro da personagem-título com Estevão, seu melhor amigo de infância. Marie retorna para sua cidade de origem após vinte anos para enterrar seu pai e, nesse retorno, revive diversas situações de seu passado. Fotografia, trilha sonora, roteiro e entrega dos atores a seus personagens fazem deste um trabalho bastante sensível.
O Paraná também esteve representado com seis curtas. Um deles é Cleo – A Rainha Negra das Passarelas (2019). Com direção de Artur Ianckievicz, esse filme mostra alguns detalhes da biografia da primeira modelo profissional negra de Londrina. É uma mistura curiosa de documentário e ficção: mostra uma atriz interpretando uma jornalista que busca detalhes verídicos da personagem-título.
Outra produção paranaense é Parabéns a Você (2019), baseada na história da própria diretora, Andréia Kaláboa. A trama mostra a pequena Yiúlia, moradora de uma comunidade rural, sonhando com sua primeira festa de aniversário em meio à desordem causada pela morte de um vizinho. Há um misto de ingenuidade infantil, aspectos sobrenaturais e elementos que mostram como é a vida de alguns descendentes de imigrantes europeus do interior de um estado que pode ser tanto o Paraná, como Santa Catarina ou o Rio Grande do Sul. O filme foi gravado no interior de Prudentópolis, cidade natal de Andréia e do produtor Guto Pasko, dono da GP7. No elenco, destaque para Rodrigo Ferrarini, interpretando o pai de Yiúlia.
Outro curta paranaense disponível é o curitibano Ela que Mora no Andar de Cima (2020), dirigido por Amarildo Martins. No elenco, destaque para a curitibana Raquel Rizzo e para Marcélia Cartaxo, lembrada por ter conquistado, em 1985, o Urso de Prata no Festival de Berlim por sua atuação em A Hora da Estrela, de Suzana Amaral. Cartaxo interpreta Luzia, uma senhora solitária que se descobre atraída pela vizinha aprendiz de confeiteira, Carmen, vivida por Rizzo. Luzia acaba tornando-se cobaia dos experimentos de Carmen na cozinha, mesmo que com isso coloque sua saúde em risco. Luzia é diabética e os doces produzidos por Carmen são ruins. O curta-metragem gravado em Curitiba, em fevereiro deste ano, tem roteiro de Alana Rodrigues e consegue dar uma dimensão da solidão da protagonista e tentativa de superação dessa solidão.
Julieta de Bicicleta (2018), com direção de Juliana Sanson, mostra a personagem-título, interpretada por Guenia Lemos, trafegando de bicicleta à noite. Sua viagem é interrompida por uma tentativa de assalto, que é impedida graças à ajuda de um adolescente amigo de seu filho. Esse encontro com o adolescente acaba trazendo à tona situações que Julieta tentava ignorar. No elenco, destaque, também, para Alexandre Zampier.
Memórias (2018), com direção de André Siqueira, é outra produção paranaense que esteve representada no FestCurtas Fundaj 2020. Depois de sofrer um grande trauma, uma mulher avalia a possibilidade de fazer uma cirurgia que resultaria na perda total da sua memória. Nesse sentido, o roteiro trabalha o impasse da protagonista entre esquecer tudo e começar de novo ou a eterna lembrança do pior dia de sua vida.
Seremos Ouvidas (2020), de Larissa Nepomuceno, traz a história de três mulheres surdas no movimento feminista. Os relatos das personagens com realidades diferentes têm momentos inspiradores como, por exemplo, aquele em que uma das entrevistadas expõe: “A mulher ouvinte apanha e liga para a polícia e, como ouvinte, ela consegue. E as surdas?”. O documentário feito em Curitiba também comenta situações como a ausência de intérprete de Libras nas delegacias, o fato de a polícia tender a perdoar facilmente o agressor surdo simplesmente por ele ser surdo e, também, a dificuldade de o intérprete, quando existe, efetivamente conseguir fazer a tradução correta para o mundo ouvinte. Isso porque a mulher agredida, no momento da formalização da denúncia, “está chorando, sinalizando rápido e a polícia acaba não registrando tudo”, conforme comenta uma das entrevistadas.
Não é segredo que um dos maiores desafios de um curta-metragem é conseguir concentrar a maior quantidade possível de informações e detalhes em um intervalo de tempo bastante reduzido e, dessa forma, conseguir transmitir suas mensagens sem atropelos, com criatividade e, ao mesmo tempo, sem elipses que comprometam a compreensão. Pode-se dizer que os trabalhos selecionados para o FestCurtas Fundaj 2020 esforçam-se para cumprir esses requisitos e, expostos assim, em conjunto, concedem um bom panorama de como está a produção cinematográfica nacional atual.
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